sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Diálogo com a Loucura

Por Acauan Guajajara

Publicado originalmente em 10/9/2003 10:15:35


Anfitrião: Quem sois vós estranho, que entrais em minha casa?

Loucura: Eu sou a Loucura.

Anfitrião: Que quereis de mim?

Loucura: Quero que renuncieis à Razão e me sigais.

Anfitrião: Por que deveria eu seguir-vos, se sois Loucura e prefiro a Razão?

Loucura: Se me seguirdes, para vós serei Razão.

Anfitrião: Não quero seguirdes.

Loucura: Muitos me seguem, e são felizes.

Anfitrião: Não desejo tal felicidade.

Loucura: Preferis ser infeliz na Razão a serdes feliz na Loucura? Pois digo que louco sois vós e que, portanto, vós já me seguis, se me seguis, para vos sou Razão e se preferis Razão, vinde comigo.

Anfitrião: Vossos artifícios não me enganam, não sou infeliz na Razão e não sou feliz na Razão. Na Razão sou o que sou e apenas isto, e vejo em cada um quem é, e em cada coisa o que é, e vejo que vós sois Loucura e não vos seguireis.

Loucura: Os que me seguem vos chamam de louco, e os que me seguem são muitos. Acaso credes vós, que sóis UM, serdes Razão, quando tantos estão comigo? Estando tantos comigo, não serei eu Razão?

Anfitrião: Não. Não importa quantos vos sigais, vós sois Loucura e não vos seguireis.

Loucura: Posso dar-vos tudo que quiserdes. Na Razão, sois mortal, me sigais e vivereis para sempre.

Anfitrião: Não há vida na Loucura.

Loucura: Os que me seguem acreditam que estão mais vivos que vós, e eles são muitos, me sigais e crerás estardes mais vivo do que hoje e não morrereis jamais.

Anfitrião: Seguir a Loucura é morrer antes da morte.

Loucura: Me sigais e vos farei grande, farei de vós o maior de todos os homens, tudo vos será possível e tudo por vós será alcançado, se me seguirdes.

Anfitrião: Não há grandeza em vós, pois vós sois Loucura e não há grandeza na Loucura, então não podeis tornar grande a ninguém.

Loucura: Muitos me seguem e cada um deles crê que é o maior de todos os homens.

Anfitrião: Não quero ser maior que ninguém, quero ser o que sou, e saber o que quero.

Loucura: Vós sois louco.

Anfitrião: Por que viestes à minha casa?

Loucura: Vós me convidastes, pois ansiavas por minha presença. Ouvi vosso coração e vindes comigo.

Anfitrião: Em meu coração reina o silêncio, portanto meu coração me diz que deveis calar-vos e partir, pois em minha casa habitará a Razão e onde a Razão habita vós não sois bem-vindo.

Loucura: Eu voltarei. Quando o desespero se acossar de vós, vossa tão incensada Razão não vos socorrerá, e quando o desespero se acossar de vós, eu estarei lá e vós chamareis por mim e me seguireis.

Anfitrião: Vós sois o desespero, pois o desespero é Loucura e a Loucura sois vós, se o desespero se acossar de mim, será vós, com outro nome que se acossa de mim, e eu clamarei à Razão para que afaste de mim o desespero que sois vós, pois vós sois Loucura, que traz o desespero aos homens para se apossar deles.

Loucura: Eu voltarei.

Anfitrião: Sei que vós não partireis. Fingirás partir, pois fingida é a Loucura, e se ocultará em minha casa e me espreitará e esperará, e se valerá do desespero para me acossar e, se quereis saber, não sei se resistirei a vós para sempre, mas hoje eu vejo a vós, vejo que sois Loucura e hoje vós não triunfareis.

Loucura: Segui-me

Anfitrião: NÃO!

Ioannes Paulus PP. II, a morte do século XX

por Acauan Guajajara

Publicado originalmente em 2/4/2005 23:19:35



Karol Joseph Wojtyla morreu às 16h37min (horário de Brasília) do dia 02 de Abril de 2005.

Sai de cena o último dos quatro construtores do final do século XX que ainda estava no poder.

De certa forma o século XX morre com ele, estendendo-se além dos limites da cronologia por obra de um pontificado que decidiu passar para História antes de terminar.

Em 1979 Margaret Thatcher foi eleita Primeiro Ministro da Grã-Bretanha.
Em 1980 Ronald Reagan foi eleito presidente dos Estados Unidos da América.
Em 1985 Mikhail Gorbachev chega ao poder na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

Mas foi Karol Wojtyla, em 1978, o primeiro a se assentar em um dos quatro postos que colocaram em movimento as engrenagens históricas da surpreendente seqüência de eventos que produziria o mundo do início do vigésimo primeiro século.

Foi o primeiro a se assentar e o último a sair, vivendo no intervalo o que os chineses chamam de tempos interessantes.

Quando a chama olímpica entrava no Estádio Lênin para a cerimônia de abertura dos jogos de Moscou, em 1980, a atenção do mundo se dividia entre a simpatia do ursinho Micha, mascote dos jogos e o recrudescimento da guerra fria, motivado pela invasão soviética ao Afeganistão, por conta da qual o governo americano ordenou o boicote de seus atletas às competições.

Embora as contradições do império soviético já fossem conhecidas na época a ponto de não serem poucos os que tinham certeza de que o gigante cairia, pouquíssimos foram os que previram quando e como se daria tal queda, uma vez que a época e o cenário permitiam as mais pessimistas especulações.

Nove anos após a Olimpíada que mostraria ao mundo as vitórias do socialismo, o muro de Berlim desabava, uma das pedras da seqüência de dominós que destruiria a cortina de ferro e a própria União Soviética, dois anos depois.

Mas Berlim não foi o primeiro dominó da cadeia.
Esta honra coube a Gdansk, a antiga Dantzig, cidade polonesa industrial do báltico, muito citada nas histórias das guerras mundiais.
Foi lá, no mesmo ano dos Jogos Olímpicos de Moscou, que surgiu o Sindicato Solidariedade, liderado por Lech Walesa, que, comandando as greves dos operários dos estaleiros, desafiou a repressão comunista local e o risco da invasão da Polônia pelas forças do Pacto de Varsóvia, ironicamente chamado pelo nome de sua própria capital.

A confiança de Walesa se apoiava em sua fé incondicional em dois personagens: A Virgem Negra de Czestochowa e Karol Wojtyla.

O Papa que ingressou na Igreja Católica Romana em uma Polônia sob a mão de ferro de um regime totalitário e anti-religioso personificou a Fé que define a identidade nacional dos poloneses, os diferenciando dos demais eslavos, na maioria ortodoxos, e usou com decisão a força desta simbiose entre religião e nacionalismo contra a ditadura polonesa.

Venceu.

Anos depois, João Paulo II enxergou na Glasnost de Gorbachev a grande chance de libertar seu país e golpear fundo o comunismo que execrava. Para isto aliou-se a Reagan e Thatcher numa forte e decidida coalizão que o cambaleante império comunista não conseguiu enfrentar.

Cumpria-se a missão de vida de um homem que na juventude viu seu país ser massacrado pela tirânica ocupação nazista e assistiu a partida dos alemães coincidir com a chegada de um novo opressor, as divisões de Stalin.

Não é de admirar que um cardeal capaz de vencer neste ambiente hostil desenvolvesse as capacidades que o fariam o líder espiritual de mais de um bilhão de católicos, primeiro Papa não italiano em séculos.

Também não causa surpresa que alguém com tal biografia se tornasse um conservador convicto.
Suas posições radicais contra o aborto, os métodos contraceptivos artificiais e as pesquisas com células tronco embrionárias lhe valeram a oposição raivosa dos setores da sociedade que defendiam tudo isto.

A atitude do Papa quanto a esta oposição foi expressa claramente em sua visita aos Estados Unidos, país onde os liberais católicos prometiam colocar o pontífice contra a parede e exigir mudanças de rumo do Vaticano.
Calaram-se todos quando João Paulo II desafiou-os em público, dizendo que aqueles que não estivessem satisfeitos com as doutrinas de Roma eram livres para deixar a Igreja, já que a Santa Sé preferia ter bons católicos a ter muitos católicos.
O viajante polonês conquistava a América.

Nas quase três décadas de seu pontificado combateu o esquerdismo dentro da própria Igreja que comandava com a mesma energia com que o combateu fora.

Com João Paulo II a Teologia da Libertação perdeu força na cúpula romana, sobrevivendo no baixo clero e em segmentos do episcopado latino-americano, onde desarticulado e sem apoio nos altos círculos cardinalícios sofreu a irônica derrota de assistir o crescimento de um movimento apolítico e avesso às ideologias esquerdistas – a Renovação Carismática Católica.

Também por ironia, não é segredo que não agradava ao Papa tirar a Igreja do marxismo para ver tantos fiéis católicos bandearem para um neo-pentecostalismo que beira a heresia, mas Karol Wojtyla parece ter reconhecido os limites de sua obra e deixado para seu sucessor combater esta nova contaminação no seio da Igreja Romana.

Mas sua maior derrota foi ver sua Igreja arrastada pelos escândalos de pedofilia de clérigos, vergonhosamente acobertados por seus superiores.

Pessoalmente, destaco duas lembranças minhas de João Paulo II.

A primeira, foi ter minha baixa no serviço militar adiada por causa de uma das viagens do Papa ao Brasil, quando se cogitou a convocação de minha unidade para atuar nos serviços de apoio prestados pelas forças armadas para organizar e dar segurança às grandes concentrações que se formavam para ver o pontífice.
Dada a irrelevância de minha unidade, terminamos não sendo convocados para nada.

A segunda lembrança é a de encontra-lo celebrando uma missa campal na Piazza San Pietro, quando um Índio viajante, mais interessado em mostrar ao seu pequeno filho o magnífico acervo do Museu Vaticano do que em avistar celebridades, deparou-se inesperadamente com um Papa já velho e doente, que em nada lembrava a figura enérgica e vibrante que descia imponente das escadas dos aviões para beijar o solo dos países que visitava.

Mas então, quando a voz do Papa entoou em canto a benção final, num tom surpreendentemente firme e vigoroso, todas as demais vozes na grande praça se calaram e o silêncio de milhares testemunhou o carisma de Karol Wojtyla.

O Valor da Vida

Por Acauan Guajajara

Publicado originalmente em 12/3/2005 13:41:11

Valor é um conceito arbitrário que mede a importância que damos a algo.

Assim, as coisas não vivas tem valor relativo e convencional, que varia conforme as circunstâncias culturais, históricas e ambientais.
Um diamante pode ter um valor inestimável para um homem civilizado e ser apenas uma pedrinha bonita para um primitivo.
Um copo de água pode ter um valor desprezível ou ser o bem mais valioso do mundo para quem está morrendo de sede.

A questão é se a vida tem valor absoluto, ou seja, valor em si. Um valor que não deixa de existir quando não é reconhecido por aqueles que o avaliam.

Uma abordagem lógica da questão é considerar que somente a vida dá sentido ao conceito de valor.
Nada é valioso para uma pedra, por exemplo.
Se nada fosse vivo, nada no universo teria valor algum. Uma estrela e um grão de poeira valeriam igualmente coisa nenhuma.

Se é a vida a razão de todo o valor, negar o valor da vida implica em negar todos os demais valores, pois estes existem em função daquela.

Como é a vida que define o valor de tudo o mais, e portanto possui valor em si só, resta a questão de se a vida singular de cada espécime tem um valor absoluto, já que a vida continua se manifestando em outras unidades quando algumas morrem.

A primeira justificativa de valor para um espécime vivo é que só espécimes vivos podem ser reconhecidos como indivíduos, seres que, apesar de estruturalmente serem semelhantes a todos de seu gênero específico, são, em sua última instância, únicos.

Nossa cultura dá valor ao que é raro, o que implica que tudo que é individual, e portanto único, representa o ápice da raridade.

Dentre todos os seres vivos conhecidos, a capacidade humana de abstração faz do Homem o ápice da definição de individualidade.
Em todo o universo não existem duas vidas humanas iguais, logo, cada vida humana representa o que há de mais raro entre tudo que existe.

Extinta esta vida individual, nunca haverá outra como aquela, em nenhum outro tempo ou lugar, representando a extinção de todo um microcosmo impossível de ser reconstituído.

Para mim, isto já é justificativa suficiente.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Filho, meu filho

Filho, meu filho,

Assim eu o chamava quando pequeno, porque desde que nasceu ser pai se tornou a parte mais importante da minha identidade, tanto quanto ser meu filho era parte importante da tua.
Assumi então como missão sagrada conduzi-lo pelos caminhos da vida e guiá-lo pela trilha do BEM, até o dia em que, senhor de seus próprios passos, pudesse caminhar seu próprio destino.

Agora que se prepara para sua formatura e já se preocupa com o vestibular, com as decisões e com os desafios de seu futuro, este dia em que escolherá por si seus caminhos vislumbra no horizonte.

Lembre-se sempre do trecho que caminhamos juntos na trilha do BEM, onde não apenas o guiei, mas também me deixei guiar pelo pequenino cuja grande alma se expressava na retidão de seu coração generoso.

Leve para sua vida adulta o espírito da criança que mesmo temendo o castigo não mentia quando perguntado sobre algo que tinha feito de errado.
Que mesmo na excitação da chegada do Natal e seus presentes tomou a iniciativa de embrulhar um de seus brinquedos para que o Papai Noel o entregasse a uma criança pobre, que precisasse mais.
Daquele que se emocionava com as histórias que eu lhe contava sobre o pai e a mãe do Papai, de cujo convívio foi apartado pelos tempos da vida, mas a quem acolheu em seu coração mesmo assim.
Do irmão amoroso, que entre uma briguinha e outra sempre esteve atento à irmãzinha tornada em melhor amiga.
Do amigo leal para com as amizades antigas e aberto às novas.
Do menino educado, que conquista a todos com um cumprimento caloroso e sincero, gentilmente oferecido sem distinção aos conhecidos que encontra.

Levo para sempre a lembrança de seus olhinhos arregalados, seu sorriso brilhante e seus bracinhos esticados pedindo que eu o segurasse e embalasse na cadência exata que o fazia dormir, que só nos dois conhecíamos.

E por isto você, filho, meu filho, que amo e de quem me orgulho, nunca se sentirá sozinho na trilha do BEM, persistirá nela, rejeitará caminhos aparentemente mais fáceis e guiará nela os que lhe forem destinados a guiar.

Filho, meu filho, meu curumim que se torna guerreiro, meu menino que se torna homem. Com fé e coragem, leve no peito a honra, a verdade, a justiça, a beleza, a liberdade, a compaixão e a esperança e seja feliz na única felicidade verdadeira que é aquela que emana destes valores.

Com todo amor do mundo,


Papai.
21 de setembro de 2009

Meus Dez Locais Religiosos Favoritos em São Paulo

Por Acauan Guajajara
Publicado originalmente em 28/02/2006, às 21:18

Certa vez escrevi sobre as Igrejas Horrorosas

de São Paulo, lamentando que o casamento feliz entre beleza e arquitetura religiosa tivesse terminado em divórcio litigioso nas construções citadas. Mas os templos de uma grande cidade nos contam mais sobre ela do que os estilos e tendências que influenciaram suas construções. Eles nos falam sobre a História, cultura, diversidade e personalidade destas metrópoles. Por isto selecionei dez locais religiosos que, na minha opinião, formam a cara de São Paulo.

1º. Mosteiro de São Bento e Basílica de Nossa Senhora da Assunção
Largo de São Bento, s/nº – Centro


Quem leu o que escrevi anteriormente sobre o Mosteiro de São Bento não se surpreendeu de encontrá-lo no topo desta minha lista. O conjunto arquitetônico (mosteiro, basílica, colégio e faculdade) se integram perfeitamente à paisagem formada pelo Largo São Bento e o viaduto Santa Efigênia – a passarela que é uma jóia da engenharia paulista. Ouvir as batidas de seu grande carrilhão nas horas cheias significa saber exatamente onde se está.

2º. Catedral da Sé
Praça da Sé - Centro


Já que falei em mostrar a cara de São Paulo, ei-la. O sisudo estilo gótico, imitando as grandes catedrais européias, a imponência da cúpula e das torres altas, a praça e edifícios à sua volta, o marco zero da cidade sob sua sombra, a maior estação de Metrô do país sob seus alicerces e as gentes que circulam por tudo isto fazem da Catedral da Sé e seus arredores um resumo do que esta cidade é. Gosto particularmente da cripta, lugar que poucos paulistanos visitam, onde estão os restos mortais do Cacique Tibiriçá e outros personagens solenes. Talvez nem todos saibam, mas o projeto original, cuja construção foi iniciada em 1913, só foi concluído recentemente, com a entrega das torres laterais visíveis na foto.

3º. Mesquita Brasil
Avenida do Estado, 5.382, Cambuci


É a primeira mesquita construída no Brasil. Mas não precisavam ter posto um luminoso enorme em frente ao prédio informando isto, o qual quebra a requintada harmonia do conjunto, já muito prejudicada pelos altos muros do entorno, erguidos depois que vândalos picharam suas paredes. Apesar destes pequenos inconvenientes, a Mesquita Brasil é um dos mais belos templos de São Paulo, com seus minaretes preservando esmeradamente a melhor herança artística do Islã.

4º. Sinagoga Beth-el
Rua Martinho Prado, 175 – Consolação


A primeira vez que vi as formas incomuns daquele prédio, a partir de certa distância nos arredores da Praça Roosevelt, de imediato pensei que devia tratar-se de uma sinagoga, mesmo à época não tendo nenhuma noção embasada de como uma sinagoga deveria parecer. Isto que é ter personalidade, identificar-se de modo correto apenas com a própria presença. A sinagoga abrigará o Museu Judaico, uma excelente oportunidade para os que quiserem conhecer mais sobre esta cultura que é uma das fontes da nossa própria.

5º. Igreja Santa Cruz das Almas dos Enforcados
Praça da Liberdade, 345 - Liberdade


Falei bastante desta igreja quando descrevi minhas observações sobre as Religiões da Liberdade, no caso o bairro onde a também chamada Igreja das Almas se encontra. Hoje ela está mais light, com camadas de tinta clara cobrindo o antigo cinzento que lhe dava uma cara tão sinistra quanto as histórias sobre as almas dos que, no passado, foram enforcados naquele local e permaneceriam circulando por ali. Mas sua principal característica é que apesar de ser uma Igreja Católica Romana, seu velário é um local de culto sincrético, onde cristianismo e cultos afros compartilham o espaço com respeito mútuo e tolerância. Pensando bem, um local onde há tolerância e respeito não pode ser tão sinistro assim.

6º. Catedral Metropolitana Ortodoxa
Rua Vergueiro, 1515 - Paraíso


O nome do bairro o torna perfeito para sediar a catedral que domina a paisagem do Paraíso. Sempre achei aquela igreja enorme, o suficiente para alojar toda a comunidade ortodoxa de São Paulo, mas li em algum lugar que é uma réplica oito vezes menor da catedral de Sofia. Esta sim deve ser enorme. Suas cúpulas douradas são um destaque, principalmente quando recuperam seu brilho, logo após as limpezas periódicas que removem delas as camadas de fuligem. Pena que a realidade urbana de São Paulo não permita que o brilho dure muito tempo.

7º. Capela Padre Anchieta
Largo Pateo do Collegio s/nº – Centro



O fato de se tratar de território Jesuíta sempre me deixa um tanto apreensivo de circular por ali, afinal um Índio não catequizado dando sopa pode inspirar a turma a querer terminar o serviço começado há quatrocentos e tantos anos. Mas, descontada esta ressalva pessoal, é sempre inspirador estar onde tudo começou, sendo o tudo referido a cidade de São Paulo. Os visitantes também podem reviver um costume antigo das Igrejas Católicas Romanas, um tanto abandonado hoje, que é a guarda de ossos de santos como relíquias. Na capela um pedaço do fêmur do padre José de Anchieta encontra-se em exposição.

8º. Federação Espírita do Estado de São Paulo
Rua Maria Paula, 140 - Bela Vista


A primeira vista o prédio da FEESP não parece a sede de uma organização religiosa. Na segunda e na terceira também não. Quem passa pelo prédio próximo à Câmara Municipal e não lê a identificação na entrada o toma por mais um conjunto de escritórios. Discreto e funcional, bem no jeitão dos espíritas. Uma vez circulei por seus corredores enquanto esperava uma amiga que fazia um curso lá. Perdi-me e fui sair num lugar onde ministravam passes. Preferi tomar os passes a admitir minha condição de perdido. Como dizem, mal não deve fazer.

9º. Catedral da Independência da Assembléia de Deus
Av. Dr. Ricardo Jafet, 214 – Ipiranga


Citei esta entre as Igrejas Horrorosas, quando a descrevi como sendo "feita de pedaços de estilos sem qualquer relação entre si e virados do avesso". Bem, foi um modo um tanto cruel de dizer a verdade. A inclui nesta lista porque, questões estéticas a parte, hoje seria difícil imaginar aquele pedaço do Ipiranga sem o seu, digamos, eclético relógio octogonal rotativo. Se bem que gostava mais dela quando era cinzenta. Parece que está na moda dar uma nova cara às igrejas sinistras as pintando em tons pastel.

10º. Santuário do Sagrado Coração de Jesus
Largo Coração de Jesus 154 – Campos Elíseos


Esta igreja é a melhor resposta aos anseios de pelo menos dois grupos. Noivas e interessados em uma aula grátis sobre estilo clássico-renascentista. Um estilo tão notavelmente perfeito em sua composição que apreciadores mais puristas se sentem intimidados em entrar e desequilibrar o conjunto. As colunatas de mármore são impressionantes, servem como a melhor via de tráfego do olhar que parte do piso ornado para os afrescos do teto, passando pelos detalhes ornamentais, lustres e pelo órgão de tubos que completa a solenidade do ambiente. Como disse alguém, a mais perfeita tradução de uma bonita igreja de São Paulo.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Follow me

Por Acauan Guajajara

Publicado originalmente em 11/09/2006 às 16:02




A tragédia humana advinda de cada inocente morto no Onze de Setembro não é, em si, pior que qualquer outro caso de inocentes mortos injusta e prematuramente que nos é noticiado todos os dias.

Já os significados do evento vão muito além da somatória das tragédias individuais que produziu, o que pode ser constatado pelo modo como, no mundo inteiro, pessoas distantes em todos os sentidos daquelas que morreram ignoraram esta distância para assumir seu choque e consternação diante do ocorrido.

Atribuir tal efeito às coberturas midiáticas do atentado é simplismo.
Catástrofes naturais como o tsunami de 2004 receberam cobertura tão ampla quanto os atentados terroristas e vitimaram dezenas de vezes mais pessoas, sem alcançar o nível de impacto emocional produzido pela queda das torres.

Também podem passar ao largo da análise dos significados mais profundos da questão as motivações político-ideológico-religiosas dos atentados e da reação a eles.
A recente invasão de Israel ao Líbano mexeu no mesmo vespeiro de polêmicas, produziu mais de mil mortes e foi tão noticiado quanto os atentados, sem que a aventura militar sequer chegasse perto de marcar tanto e tão profundamente as memórias quanto os aviões explodindo nas grandes torres.

O grande e verdadeiro significado do Onze de Setembro reside em seus conteúdos espirituais, humanos e universais, que unem e igualam todos nós, justamente por situarem-se acima e além das picuinhas de opinião.

Erram tremendamente os que tentam entender tais conteúdos tomando como protagonistas daquele dia o presidente dos Estados Unidos da América, George W. Bush e o líder terrorista Osama Bin Laden.
Dois outros personagens incorporaram melhor a magnitude daquele acontecimento por terem representado em um mesmo dia os extremos do espírito humano diante do sacrifício.

Mohamed Atta e William Feehan.

A lembrança do primeiro nome serve apenas como alerta para todos nós sobre o mal inerente ao fanatismo.
O sacrifício de Atta foi a apoteose de anos de dedicação, aprendizado e planejamento visando concretizar a morte de milhares de inocentes.

Já o nome de William Feehan, chefe dos bombeiros da cidade de New York, serve de inspiração a todos que acreditam na grandeza humana.
Seu supremo sacrifício foi o apogeu de uma carreira construída sobre vidas salvas, quando sua liderança, atitude e coragem trouxeram a esperança a pessoas que já a haviam perdido.

Seu exemplo torna compreensível porque tantos homens entraram nas torres abaladas para salvar vidas de estranhos, sabendo dos terríveis riscos.
Bastava naquele momento que se recusassem a entrar e teriam sobrevivido.

Mas eles entraram.
E morreram.

Porque havia pessoas precisando deles.
Porque era seu dever.
Porque eram honrados.

Porque eram bravos.

E porque seguiam William Feehan, quando este dizia simplesmente "follow me".

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

A Verdade e a Água

Por Acauan Guajajara

Publicada originalmente em 25/01/2006 às 22:47

A Verdade é como a água que brota da pedra em meio à montanha.
Cristalina e pura.
Sob ela há a rocha firme, que lhe dá fundamento sólido.
Em seu entorno a mata, com toda a vida que irriga.
Acima dela, apenas o céu.
Ela transmite frescor ao toque.
Levada à boca não é insípida, tem o sabor do caminho que iniciou na nuvem, cruzou os ares e penetrou a terra antes de repousar no leito pétreo.
Tomada, sacia e refresca.
Traz satisfação e prazer.
Sustenta a vida, que sem ela seca e se esvai.
Por estas qualidades a reconhecemos, mesmo que ninguém nos lhas aponte.
E sem estas a refutamos, mesmo que muitos a recomendem.

Aqueles que não Morrem

Por Acauan Guajajara

Publicada originalmente em 05/02/2006 às 22:55

Os homens sempre temeram aqueles que não morrem.
Como nunca entenderam o significado mais profundo e verdadeiro deste medo (ou preferiram não entender), separaram aqueles que não morrem entre os que caminham sob a luz do dia e os que caminham na escuridão noturna.
Então associaram seu medo àqueles que não morrem aos que se erguem com a noite, e apontaram neles o mal, que justificaria seu medo e os protegeria do significado real do que sentiam.

Mas se é verdade que entre aqueles que não morrem há os que preferem a noite, isto é, como dito, apenas uma preferência, pois aqueles que não morrem caminham sob o sol tanto quanto sob as estrelas.

Aí reside o significado do medo que os homens sentem de aqueles que não morrem.
Pois os homens caminham em meio à luz e entre as trevas.
Se aqueles que não morrem fazem o mesmo, aqueles que não morrem caminham como os homens.
Aqueles que não morrem caminham entre os homens.

A idéia de que aqueles que não morrem caminham entre eles é o maior temor dos homens e para fugir deste temor os homens o tornaram inimaginável e o substituíram imaginando outros temores, apresentados como maiores, mas que nada mais eram que a troca de um medo único e insuportável por muitos que podiam suportar.

Aqueles que não morrem conhecem e entendem o medo dos homens.
Sabem que por mais que os homens temam o que lhes é diferente, encontrarão refúgio e proteção criando distância do que difere.

Aos olhos dos homens, nada pode lhes ser mais diferente do que aqueles que não morrem.
Por isto tentam manter deles a maior distância possível.

Mas não há distância alguma entre os homens e aqueles que não morrem.
Eles continuarão aqui depois que o sol nascer.
Caminhando.

Roma, a religião da república sagrada

Comentários sobre a série da HBO

Por Acauan Guajajaa

Publicada originalmente em 17/01/2006 às 16:22

A série televisa Roma (EUA, 2005, co-produzida pela HBO e BBC) é um primor de reconstituição histórica, que mostra a vida na capital do Império no tumultuado período desde a conquista da Gália por Caio Julio César em 52 A.C. até seu assassinato em 44 A.C., levado a cabo por uma conspiração de senadores. Neste período, da narrativa principal, que conta como César subjugou o senado e conquistou o poder absoluto, derivam outras secundárias que retratam o cotidiano da aristocracia e da gente comum da Roma de então.

A perspectiva dos comuns é abordada do ponto de vista de dois fictícios personagens, o legionário Tito Pullo (Interpretado por Ray Stevenson) e o centurião Lúcio Voreno (Interpretado por Kevin McKidd), este um guerreiro totalmente dedicado à sua corporação, a décima terceira Legião, com a qual César bateu Vercingétorix (é, aquele do Asterix) e tomou o rumo do Rubicão.

Voreno, na série, é descrito por Marco Antonio como um muro de pedra catoniano, uma referência aos romanos que seguiam o modelo de conduta e vida de Catão, o censor que encarnava o espírito de austeridade, severidade e honra da antiga República.

A religião de Voreno e de Roma era essencialmente uma religião cívica, na qual não havia diferença entre pecado e não cumprimento dos deveres de cidadão, entre confrontar as instituições e sacrilégio ou entre ofender a República e ofender os deuses.

A República Romana, para os cidadãos que guardavam seus antigos valores, era mais do que uma entidade política, era um intermediário entre os deuses e os homens. Uma entidade erigida por estes, mas imortal como aqueles. Este amálgama entre o civil e o sacro na consciência religiosa romana é abordado no conflito íntimo que se instala em Lúcio Voreno quando César convoca suas tropas para marchar a Roma, contra as ordens do senado. Para o centurião o ato de César é um sacrilégio, cujo destino final teme ser a destruição da República e a instalação da tirania. Mas os mesmos valores e princípios que o fazem se opor às decisões de seu comandante o obrigam a obedecê-las.

O paganismo de Estado dos romanos se mostra em Voreno nas suas diversas facetas. Em uma cena cheia de compenetração sensível o catoniano oferece seu sangue a Vênus, pedindo à deusa que sua esposa o ame tanto quanto ele a ama, uma vez que sua dureza de soldado o impede de expressar seus sentimentos diretamente a ela. Em outra, quando indagado sobre o número de homens que matou, o centurião fornece com frieza uma contagem precisa dos guerreiros mortos (os civis ele não contava), cujo número era oferecido como tributo a Marte, deus da guerra. Voreno também protagoniza alguns rituais específicos, como o banquete oferecido a Janus, o deus das portas, para que este favoreça uma iniciativa comercial, e o ritual de fertilidade, no qual ele e a esposa simulam um ato sexual em meio às terras de sua propriedade, visando torna-las fecundas.

Um contraponto interessante à religiosidade cívica rígida e sincera dos catonianos é apresentada na série no episódio 4, Stealing from Saturn, na qual César, para legitimar seu poder, precisa de um sinal de bons auspícios que deixasse claro que os deuses apoiavam sua tomada do poder absoluto. Ele consegue isto subornando os sacerdotes do Collegium Pontificum, que por uma vultosa quantia aceitam providenciar a aprovação divina durante a sagração de César como ditador romano.

É também através de Lucio Voreno que podemos observar o modo sutil, mas muito minucioso, como a série nos apresenta a desconfortável crueldade reinante na ausência dos valores cristãos que só conquistariam o Ocidente alguns séculos depois.

Em uma cena particularmente chocante, o centurião vai tratar a venda dos escravos que recebera como espólio na campanha da Gália, deixados sob a guarda de um mercador que deveria engordá-los visando melhorar seu preço. Quando pergunta pelo estado de suas mercadorias, é conduzido pelo mercador à jaula minúscula onde estão os corpos putrefatos dos prisioneiros, que morreram de disenteria. O único sobrevivente é um pequeno menino, mantido preso junto ao cadáver da mãe e dos demais para que o proprietário pudesse comprovar por si mesmo que seu patrimônio não fora roubado.

O centurião trava um desesperado diálogo com o mercador, no qual lamenta a dimensão de seu prejuízo. Para o espectador estupefato fica a terrível dúvida de o porquê ninguém ligar a mínima para as pessoas mortas, principalmente, para a criança aprisionada junto aos restos apodrecidos de sua mãe e parentes.

Por que Lúcio Voreno, um homem íntegro e abnegado, se mostrava tão impiedoso?

A resposta simples é que a piedade cristã só seria divulgada quase um século depois do tempo daqueles eventos narrados. Para os romanos, os vencidos escravizados eram apenas isto, vencidos escravizados. Suas vidas e mortes tinham o valor exato de seu preço de mercado ou de sua serventia para o trabalho. Na ausência dos preceitos cristãos que viriam a criar o conceito de pessoa humana com valor em si mesma, os romanos avaliavam o quanto valia uma vida pela sua posição na hierarquia de sua sociedade. Não havia como ou porque naquele sistema reconhecer qualquer tipo de igualdade entre um cidadão romano livre e quem não o era.

Apesar de toda identificação da República Romana e seus valores como a manifestação mais visível dos desígnios dos deuses, Roma não era uma teocracia, no sentido que atualmente se dá ao termo. Na teocracia a religião incorpora o Estado enquanto em Roma o Estado incorporava a religião. Esta simbiose construiu e consolidou o civismo dos romanos, base de sua têmpera guerreira que demarcou o Ocidente na ponta do gládio e na batida das cáligas.Quando o poder e a riqueza corromperam esta simbiose, a República Sagrada desabou.
O triunfo do Império continha em si o gérmen de sua própria decadência.

Porquê eu amo a ciência

Por Acauan Guajajara

Publicado originalmente em 22/3/2003 00:26:13

Quando eu era criança, na escola em que estudava, e em todas as escolas, havia pelo menos um aluno que circulava pelos corredores a duras penas, movimentando com muito esforço suas pernas imobilizadas por um pesado aparelho metálico, enquanto auxiliava o movimento com um par de muletas de mão. Eram portadores de paralisia infantil.

Estas lembranças ocupam muito pouco de minha memória. Conforme eu crescia, sem que eu percebesse, aquela cena triste das crianças condenadas a terem uma vida limitada pelo resto de seus dias ia simplesmente sumindo.

Na época eu não tinha idade para perceber o que acontecia. Hoje relembro daqueles anos como Tempos de Glória. A paralisia infantil é uma lembrança vaga em minha mente porque eu convivi com as últimas crianças que tiveram a infelicidade de contraí-la. Poucos anos depois a Humanidade conquistaria mais uma vitória: A poliomielite havia sido erradicada.

Isto mesmo. Erradicada! Nunca mais, em lugar algum, criança nenhuma arrastaria armações metálicas pelos corredores de escolas. Vencemos!

Por trás desta vitória um nome, ALBERT SABIN, um grande Homem, que estudando a bioquímica dos vírus descobriu como barrar o avanço daquele terrível inimigo.

Sabin é um nome que reverencio toda vez que levo meus filhos para serem vacinados, mas divido esta reverência com uma entidade não humana: Nossa grandiosa CIÊNCIA.

Se hoje poliomielite e varíola são palavras mais ligadas à história do que ao cotidiano dos hospitais, isto se deve ao trabalho de homens que acreditaram numa sequência de trabalho simples, mas magnífica: observar – teorizar – experimentar – concluir.

Foram estas quatro palavras que nos levaram ao dia 20 de julho de 1969, quando pela primeira vez, homens do planeta Terra pisaram o solo da Lua. Deixaram no satélite uma placa, onde para todo o sempre se poderá ler a mensagem “VIEMOS EM PAZ, POR TODA A HUMANIDADE”.

Em paz e por toda a Humanidade. É por isto que eu amo a Ciência.

Voltaire

Por Acauan Guajajara

Publicado originalmente em 21/3/2003 21:32:29

Se Deus existir e me concedesse como pedido a possibilidade de tomar uns chopes com quem eu quisesse, vivo ou morto, de qualquer época, eu não pensaria duas vezes.

- Quero tomar uns chopes com o Voltaire.

Voltaire era o máximo, bater um papo com ele deve ser o equivalente hoje a dividir uma mesa com o Millôr Fernandes – com a vantagem de que o velho Jean Marie não era brizolista.

Fico imaginando como seria o papo em torna da mesa:

Acauan - E aí Jean-Marie, como vão as coisas?

Voltaire – É... Tô meio preocupado, sabe como é, o Papa não gostou nem um pouco da brincadeirinha que eu fiz com ele no Cândido...

Acauan – Ô Jean, você preocupado com o Papa?

Voltaire – Qual é ô meu? Eu sou filósofo mas não sou bobo, você deve saber muito bem do que eu vivo..., se o Papa cisma de me botar na lista negra acabou minha penetração junto à “sociedade”... E aí eu vou viver do que? Tenho contas para pagar.

Acauan – E como tá indo o Rousseau?

Voltaire – Ele não fala comigo desde que leu “O Ingênuo”, aquela história do Hurão, sabe como é esta turma da esquerda, totalmente liberais até que alguém dê uma alfinetada neles, aí é “magoei”...

Acauan – Mas Voltaire, me diz aqui uma coisa...

Voltaire – Pera aí, antes de continuar esta conversa, quem é você?

Acauan – Sou Acauan dos Tupis

Voltaire – E que lugar é este?

Acauan – Aqui é São Caetano do Sul, a terra do Azulão.

Voltaire – Paris é melhor.

Acauan – Também acho, mas muita gente aqui discordaria.

Voltaire – Que bebida é esta?


Acauan – Chamamos de chope, “bière” em francês, eu acho...

Voltaire – Gostei.

Acauan – Deve ter gostado mesmo, já tomou uma dúzia...

Voltaire – E esta garçonete, como é mesmo o nome dela?

Acauan – Jean-Marie, ela é casada. Dá um tempo meu!

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Pensamento ocasional

Somente em Deus encontramos um ponto de vista do qual todas as vidas são coerentes, pois do ponto de vista de cada vida humana, todas as demais vidas são absurdas de algum modo.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

De Novo o Mosteiro de São Bento

Publicado originalmente em 24 Fev 2006, 16:40

Passei em frente ao Mosteiro ontem e parei para ler um daqueles tótens com informações sobre o local, possivelmente para turistas e que por ser para turistas nunca parei para ler.
Mas foi legal, pois o tótem contava a história do Mosteiro, destacando que o conjunto foi construído no mesmo local onde ficava a aldeia do cacique Tibiriçá, que teve papel preponderante na fundação da cidade de São Paulo e sobre quem gosto de pensar como um possível ancestral, embora, claro, não tenha a mais remota evidência disto.
Ajudou a explicar minha simpatia pelo Mosteiro.


24 Fev 2006, 16:55

E só para constar, não voltei ao Mosteiro para encher o saco do jovem monge, como havia deixado pendente no fim do texto anterior, mas voltei para completar minhas observações.

Estava certo de que se os pedreiros livres deixaram suas assinaturas na Basílica, certamente deviam tê-la registrado no ponto culminante da Igreja que é o altar-mór.
Olhos atentos, busco em cada ponto onde esta marca poderia estar, num lugar visível a todos certamente, talvez nos vitrais ou no grande crucifixo de madeira que paira sobre o altar e... bingo.
Aos pés da imagem de Cristo no crucifixo há um entalhe ou marca muito sutil e de contornos poucos claros que lembram o suficiente o esquadro e o compasso.
Não foi fácil de perceber nem procurando com atenção, o que indica que foi colocado lá para ser reconhecido apenas por quem interessa.
Que obviamente não sou eu.

O Mosteiro de São Bento

Por Acauan Guajajara

Publicado originalmente em 2/3/2004 18:50:49





Domingo passado, 29 de Fevereiro de 2004, levei meus filhos para assistir à missa no Mosteiro de São Bento, em São Paulo.
Quer dizer, na verdade levei meus filhos para assistir ao magnífico recital de órgão e apresentação de canto gregoriano que é a missa dominical das dez.

O Mosteiro é o máximo, um dos mais belos, tradicionais e acolhedores locais religiosos de São Paulo.

Cheguei atrasado. A Basílica de Nossa Senhora da Assunção (nome oficial da igreja do Mosteiro) estava lotada.

Para minha apreensão o grande órgão de seis mil tubos estava silencioso.
A explicação veio dos paramentos roxos do celebrante e do altar-mór, a cor litúrgica do tempo da Quaresma, o que significava necas de pitibiribas de sólos de órgão nas igrejas católicas durante os quarenta dias deste período, exceto no domingo Laetare (o quarto da Quaresma).

Com o órgão calado e longe demais dos monges para ouvir o canto, dediquei-me a estudar a arquitetura interna da Igreja, cujo estilo ou mistura deles sempre me confundiu.
Não sou nenhum especialista em história da arte, mas pelo menos aprendi a reconhecer uma catedral gótica quando vejo uma.

Dentro da basílica a única coisa que reconheço é que era completamente ignorante para classificá-la.

O grande crucifixo sobre o altar-mór, as esculturas de santos e os altares laterais são barrocos, o teto com suas pinturas poderia ser chamado de neo-renascentista e eu nem arrisquei um palpite para as colunas, arcos e abóbadas da nave central.

Mas lá estava eu, admirando o conjunto lá do fim da fila, quase embaixo do portal de madeira de entrada, quando olho para cima e tenho uma visão interessante.
As pinturas das abóbadas da entrada não representavam elementos católicos tradicionais e sim um zodíaco completo ao centro, um elefante e um golfinho à esquerda, cujas inscrições em latim indicam que representam o elemento terra e o elemento água. Não fui conferir, mas certamente à direita do zodíaco duas outras figuras estão a representar o fogo e o ar.

Nunca tinha reparado naquilo nas muitas vezes que visitei o local, mas também nunca fiquei parado embaixo da porta de entrada, posição que me permitiu perceber mais dois detalhes. As abóbadas onde estavam o zodíaco e os quatro elementos estavam pintadas de azul escuro, representando um brilhante céu estrelado, igualzinho a um teto que eu já havia visto em algum lugar.
No teto sobre o centro da nave um círculo com as letras “A” e “M” sobrepostas também me pareceram muito familiares.

Não demorei muito para lembrar.

O céu estrelado é a cobertura das Lojas Maçônicas e aquelas duas letras, como pintadas, eram parecidas demais com esquadros e compassos entrecruzados do que seria esperado numa coincidência.

Motivos maçônicos ostentados no mais venerando mosteiro do país era motivo para esclarecimentos.
Terminada a missa (que acreditem ou não teve até um sermão muito legalzinho do celebrante, cheio de alfinetadas nas igrejas que vendiam solução mística para os fracassos terrenos), estava à procura de um monge que esclarecesse minhas dúvidas.

Antes, é claro, entrei na fila e comprei o famoso bolo dos monges, feito pelos próprios e vendido no mosteiro. A reputação da iguaria já a tornou mais uma atração turístico-gastronômica de São Paulo (vocês queriam o que? Aqui não tem praia).

Feita a compra, abordo um jovem monge parado no corredor, possivelmente escalado para atender chatos como eu, já que não devo ter sido o primeiro a sair de lá com vontade de fazer perguntas.

Perguntei primeiro sobre o estilo arquitetônico do mosteiro e o religioso, muito simpático e atencioso, me explicou que era chamado estilo beuronense, criado na Abadia de Beuron, Alemanha, daí o nome.

Satisfeito com a competência e paciência do anfitrião, pergunto pelo zodíaco e a representação dos quatros elementos.
A resposta do monge, certamente a versão oficial da casa, é que aquelas figuras estão lá para representar que Cristo é o senhor dos céus (zodíaco) e da natureza (os quatro elementos), com uma observação complementar de que as pinturas não tinham qualquer significado esotérico ou correlação com símbolos da Nova Era.

Não sei se ele me achou com cara de quem curte Nova Era, espero que não, mas fui em frente e perguntei das letras “A” e “M”, entrecruzadas naquele formato característico.

O monge, que parecia saber o significado de cada um dos milhares de símbolos gravados na igreja, nem pensou para responder que se tratava das iniciais de Ave Maria, bastante compreensível sendo Nossa Senhora da Assunção quem dava nome à basílica.

Percebendo que talvez o beneditino já não estivesse gostando muito do rumo que eu dava à conversa, comentei à queima roupa que a maneira como as letras estavam dispostas lembravam muito o esquadro e o compasso maçônicos.

De novo a negativa pronta e firme, firme o suficiente por sinal. Resolvi parar por ali (por enquanto) e me despedi do monge que cumprimentou meu filho com um daqueles apertos de mão cheio de coreografias que gente da minha idade não conhece e que eu pensei que o claustro beneditino não ensinasse.

Apesar disto meu professor de beneditinologia não me convenceu. Posso não entender bulhufas de estilo beuronense, mas se o elefante e o golfinho tem alguma coisa a ver com Cristo eu sou o general Custer.

Depois do Mosteiro, levei meus filhos ao Pátio do Colégio, centro e marco da fundação de São Paulo, mas esta é história para outro dia, já que em sendo lá território dos Jesuítas fiquei apreensivo com a possibilidade de um deles me reconhecer como Índio não catequizado e resolver completar o serviço.

Mais tarde, para checar as respostas do iluminado monge, recorro ao abençoado google. Digito beneditinos e maçonaria. As respostas vêm aos montes. Uma das referências, me chama a atenção:

Já em plena Idade Média, antes de aparecer a Maçonaria Operativa ou Maçonaria de Ofício, entrando em evidência a Arte Gótica, quando começaram a ser construídos muitos conventos igrejas catedrais e palácios, neste período foram importantes as Associações Monásticas principalmente constituídas pelos Beneditinos e Cistercences, que eram clérigos, experientes projetistas e geômetras, excelentes oficiais na arte de construir. Dominaram o segredo da construção por muito tempo, o qual ficou inicialmente restrito aos conventos
...
Entretanto eram obrigados a contratar profissionais leigos, pois a demanda cada vez maior de construções e serviços secundários assim o exigia. Estes profissionais foram aprendendo com estes clérigos e com o tempo em face da decadência da fase Monástica, constituíram as Confrarias Leigas....Os Beneditinos (Ordem de São Bento fundada por São Bento em 529 D.C. e os Cistercences os monges de Císter- França (fundada em l098 pelo abade De Molesme) são considerados por vários autores como os ancestrais da Maçonaria Operativa,

MAÇONARIA CONTEMPORÂNEA - ABORDAGEM HISTÓRICA
Hercule Spoladore – Loja de Pesquisas Maçônicas “BRASIL”-LONDRINA-Pr

Espero que o jovem monge seja tão simpático e paciente quanto me pareceu. Ele vai ter muito que me explicar no próximo domingo Laetare.






A Fé na Mulher Amada

Por Acauan Guajajara

Publicado originalmente em 3/12/2004 20:59:41

De tudo em que acredito,
e tenho dito,
do que sinto,
e não digam que isto é nada,
a fé na mulher amada,
aquela e ela,
esperada,
é a única que salva,
alma,
coração
e oração.

Uma noite, quase madrugada,
a fé na mulher amada,
repito,
e tenho dito,
é a única que salva,
alma,
em uma noite,quase madrugada,
balada,
a fé na mulher amada,
e tocada,
é a única que salva,
beijada.

Pôr do sol,
tarde nublada,
beijada,
quase tudo em quase nada,
esperada.

Volte pôr do sol, se mostre,
sorte,
consorte,
para o sem o quase, madrugada,
beijada,
e o tudo,
que o quase pôs desnudo,
amada,
quase tudo em quase nada,
beijada,
e uma futura madrugada,
é tudo,
esperada,
a fé na mulher amada,
alma,
é a única que salva.

O Inverno do Nosso Descontentamento

Por Acauan Guajajara

Publicado originalmente em 1/05/2006, às 22:30

Ó inverno do nosso descontentamento
foi convertido agora em glorioso verão por este sol de York, e todas as nuvens que ameaçavam a nossa casa estão enterradas no mais interno fundo do oceano
...
Pois eu, neste ocioso e mole tempo de paz, não tenho outro deleite para passar o tempo afora o espiar a minha sombra ao sol e cantar a minha própria deformidade.

William Shakespeare, RICARDO III, ato I, cena I

Uma das grandes aflições da condição humana é a distância abissal que separa nossas aspirações, potencialmente ilimitadas, de nossa capacidade de realizá-las, restrita às possibilidades finitas de nossos recursos e tempo de vida.

Como espécie, somos virtualmente imortais e as culturas e civilizações que criamos nos permitem acumular conhecimento e recursos ao longo de gerações e assim ampliar continuamente nossas capacidades de realização.

Mas a satisfação reside no indivíduo e não na espécie.

Como Ricardo, que contempla o triunfo da casa de York e expressa seu rancor por suas imperfeições o intimidarem de usufruir o advindo verão da vitória, também nós, ao contemplarmos as realizações da Grandeza Humana do ponto de vista de nossas finitudes, nos recolhemos ao espiar de nossas sombras e retornamos ao inverno do nosso descontentamento.

A religião oferece a fé na infinitude do indivíduo, mas se oferece o meio, retira o fim. A eternidade prometida realiza o propósito de Deus e não os propósitos humanos. Se Ricardo III expiasse suas muitas culpas e alcançasse o paraíso prometido pelo Cristianismo ou pelo Islã se veria livre de suas deformidades e pronto para o deleite no glorioso verão. Só que não seria a glória da casa de York, de sua casa.

A frustração da glória sem deleite seria substituída pelo deleite na glória alheia.

domingo, 28 de junho de 2009

Santa Croce, o Triunfo do Espírito

(Estudo Nº 1 para conclusão da série Considerações sobre o espiritual)
Publicado originalmente em 2/11/2004 15:55:30

por Acauan Guajajara


nulli aetatis suae comparandu
(Inscrição no túmulo de Galileo Galilei, Basílica de Santa Croce, Florença, Italia)

Numa primeira vista, a Basílica de Santa Croce, em Florença na Itália, não causa deslumbramento. Ofuscada pela onipresença imponente da catedral Duomo, a construção gótica parece ser mais uma igreja entre tantas da gloriosa cidade toscana.

Basta adentrá-la para mudar de idéia.

Como uma lufada de luz, a grandeza humana sopra e ilumina o visitante que se depara com as tumbas e monumentos fúnebres que o velho templo abriga.
Os nomes falam por si só: Michelangelo Buonarroti, Dante Alighieri, Nicolau Maquiavel, Giacomo Rossini, Galileo Galilei, Guglielmo Marconi, Enrico Fermi e muitos outros.

As inscrições nas lápides fazem mais do que identificar:

Galileo Galilei, geômetra, astrônomo, filósofo, matemático, incomparável em seu tempo...

Michelângelo Buonarroti, escultor, pintor e arquiteto, fama omnibus notissimo...

Nicolau Maquiavel, tanto nomini nullum par elogium.

A inscrição na tumba de Maquiavel poderia ser repetida em todas as outras: - Tão grande nome, nenhum elogio alcança.

Santa Croce nos lega uma mensagem.

Aqueles homens estão mortos, e mesmo assim caminham conosco pelos corredores da vecchia chiesa, erguem nosso olhar com seus braços apontando o adiante, enquanto nos dizem – continuem nossa obra, sigam em frente, descubram a verdade, aprendam a justiça, criem o belo, sede corajosos e alcancem o BEM.

Em Santa Croce, os altares erguidos para celebrar a memória de um Messias ressurrecto aceitam resignados o papel de coadjuvantes, diante da memória celebrada de outros que venceram a morte, mesmo que imersos em seu sono.
Nos ensinando e lembrando que existe transcendência na condição humana. Nossa descendência, nossa obra, nosso ideal. O amor que motivamos e a memória que construímos.

O heroísmo de nossos bravos, o brilho de nossos sábios e a poesia de nossos bardos não morre.
O triunfo do espírito humano vive.Em Santa Croce e em cada um de nós.

terça-feira, 26 de maio de 2009

AS MADONAS DO MASP - VÊNUS CRISTÃS

Por Acauan Guajajara

Publicado originalmente em 12/7/2003 00:39:16

Levei meus filhos ao MASP – Museu de Arte de São Paulo, no feriado paulista do nove de julho.
O MASP é o máximo. Uma ilha de excelência da arte e cultura, suspensa sobre o grande vão livre da avenida Paulista.
Gosto muito da coleção de pintores impressionistas, uma das melhores do mundo, mas ficando no tema do título, o Museu nos permite fazer uma viagem pela história do sentimento religioso, contada pelos quadros que o exprimem.
Eu adoro as madonas (não estou falando de covers da exótica cantora), representações da virgem com o menino Jesus. O MASP exibe uma grande coleção delas, com quadros dos séculos XIII ao XVI, nos quais encontramos experiências artísticas notáveis, em que as clássicas Vênus gregas reencarnam nas representações de Maria, expressando uma das mais marcantes características do Renascimento, a recuperação da tradição humanista da arte greco-romana.

As fotos e fichas de identificação dos quadros foram extraídos da página do MASP - http://www.masp.art.br/ .



Artista: Sandro Botticelli (e ateliê)
Período: (Florença, Itália, 1445 - 1510)
Título: Virgem com o Menino e São João Batista criança, 1490/1500
Descrição: têmpera sobre madeira; diâmetro 74 cm, 1490-1500

Esta é a madona que eu mais gosto. O quadro é luminoso em vários sentidos.
Todo mundo conhece o autor, Boticelli, principalmente por sua outra obra “O Nascimento da Vênus”, no qual a deusa surge das espumas do mar.
De Maria vemos apenas o rosto e as mãos, o suficiente para perceber uma mulher muito jovem e que certamente representava o ideal de beleza feminino da época.
O abraço que ela aplica na criança é 100% maternal, uma mãe e um filho demonstrando afeto um ao outro, nada que expresse superioridade da criança em relação a mãe ou adoração a um Deus menino. Mais do que retratar divindade e santidade de dois personagens religiosos, o pintor retrata a divindade e a santidade do amor materno, fazendo uma leitura humanista de um tema sacro.
Ao lado de Maria um livro de formato moderno, inexistente no século I e portanto incluído na cena com alguma intenção. Como na época em que o quadro foi pintado a maioria das mulheres eram analfabetas, a idéia de retratar Maria como uma mulher letrada traz a idéia de que, talvez, Boticelli quisesse dar à sua virgem um conteúdo maior do que aquele expresso apenas por um rostinho bonito.



Artista: Maestro del Bigallo
Período: (Ativo em Florença, Itália, terceiro quartel do século XIII)
Título: Virgem em Majestade com o Menino e dois Anjos, c.1275
Descrição: têmpera sobre madeira; 130 x 56 cm

É quase impossível ver a “Virgem em Majestade” sem lembrar das grandes estátuas de Zeus sentado em seu trono ou de Palas Atenas em posição semelhante.
O quadro chama atenção primeiro pelo seu formato não geométrico (a cabeça da virgem acrescenta um círculo ao retângulo tradicional das telas).
Depois vem o desafio de classificar o estilo entre múltiplas impressões simultâneas: a já citada majestade dos deuses gregos, a santidade pictórica dos ícones bizantinos e os traçados geométricos das dobras do manto que quase poderiam ser classificados como modernistas.
Note-se que o “menino Jesus” não é um menino coisa nenhuma, é um homem em miniatura pois tem as proporções de um adulto só que em escala menor, um dos artifícios que os artistas da época se valiam para realçar a natureza divina do personagem representado.
E finalmente, os dois olham diretamente para você como se Maria dissesse “Ele é Deus e eu sou a mãe dele!”. Diante de uma afirmação destas, você vai responder o quê?



Artista: Maestro di San Martino alla Palma
Período: (Ativo em Florença, primeiro terço do século XIV)
Título: Virgem com o Menino Jesus
Descrição: têmpera sobre madeira, 66 x 39 cm, 1310 / 1320

O que torna este quadro especial é o olhar dos personagens. Mãe e filho se olham como se trocassem uma confidência, algo do tipo “eu sei quem você verdadeiramente é” ou então “não interessa o que anjo disse, você é meu filho”.
Para realçar a idéia, um Jesus de cachos dourados usa uma túnica dourada sobre um fundo dourado. A Virgem veste preto*, mas a parte interna do tecido é dourada também.
No meio deste ouro todo se destaca a criança segurando carinhosamente o dedo da mãe, como faz qualquer bebê (quem é pai sabe). Outra vez, o menino Jesus é um homem em miniatura – proporções de um adulto em escala reduzida. Mas o olhar e o toque de mão...

* Nota do Acauan: Sobre a cor do manto da Virgem, uma amiga me esclareceu e ensinou:

Só uma observação quanto ao comentário de que a Virgem “veste preto”, provavelmente era azul, mas como a têmpera (feita com gema de ovo e pigmentos) é uma tinta mais sensível à ação do tempo talvez tenha escurecido.
Os pintores renascentistas sempre retratavam a Virgem vestindo manto vermelho e véu azul. Simbolicamente representam o poder temporal (púrpura, cor de reis) e o poder espiritual (celeste, cor divina), ou seja, uma alusão ao poder da Igreja Católica. ... :)

Obrigado, amiga!





Artista: Giovanni Bellini
Período: (Veneza, Itália, 1425/33 - 1516)

Título: A Virgem com o Menino de pé, abraçando a Mãe (Madonna Willys), 1480 / 1490
Descrição: óleo sobre madeira; 75 x 59 cm, 1480-1490

No quadro anterior, “Virgem com o Menino Jesus”, mãe e filho se olham como se trocassem uma confidência.
Nesta obra, a virgem olha para o menino Jesus com uma cara que diz “este pirralho vai fazer xixi na minha túnica azul novinha”.
Este quadro se diferencia dos anteriores por apresentar um menino Jesus sem os trajes cerimoniais em que ele aparece nas telas anteriores (aliás, sem traje nenhum) e principalmente por mostrar o bebê com as proporções de um bebê – a cabeça grande em relação ao corpo, pernas curtas e gordinhas (quem é pai sabe).
Alem do olhar de desconfiança da mãe, o menino tem expressão e gesto de quem pergunta “o que aconteceria se eu apertasse o pescoço dela?”, desculpe Bellini, mas com certeza, em alguma sacanagem você estava pensando quando pintou este quadro.

Desculpe mesmo, porque o quadro realmente merece estar nas paredes do MASP.


Artista: Paolo Serafin da Modena (atribuído a)
Período: (Módena, 1349/1350 - ?)
Título: Adoração dos Reis Magos
Descrição: têmpera sobre madeira, 25 x 32 cm, terceiro quarto do sécuo XIV

Um doce virtual para quem disser o que tem de estranho no menino Jesus deste quadro.
Tempo esgotado. Os Reis Magos visitaram um Jesus recém nascido, enquanto a tela mostra o “bebê” com o tamanho de uma criança de dois anos, sentado no colo da mãe e abençoando o visitante que lhe beija o pé.
Bebês da idade que Jesus teria quando do encontro com os reis magos não conseguem sentar e muito menos abençoar (quem é pai sabe).
De novo o recurso de representar o menino Jesus com características não esperadas em uma criança comum para realçar seu aspecto divino.

É por estas e outras que eu adoro as madonas.
É por estas e outras que eu adoro o MASP.
Visite o MASP. É muito legal.

As fotos e fichas de identificação dos quadros foram extraídos da página do MASP - http://www.masp.art.br/ .

ESTÓICOS

Por Acauan Guajajara

Publicado originalmente em 06/07/2007 às 22:55

Como manda o Código, o Guerreiro se fartará no suficiente.

Quando tiver por lençol a relva e por cobertor o firmamento, não se encontrará sobre as penas do ganso sono mais reparador.

Beberá da rocha que brota e do orvalho servido na folha côncava.
E sentirá frescor menor apenas do que aquele que exala do hálito da mulher amada.

Em sua mesa porá o fruto brilhante, o animal que corria ou a raiz que se entranha.
E se banqueteará.

Quando o vento gélido navalhar sua pele ou o sol inclemente secar suas lágrimas, o Guerreiro se aquecerá ou refrescará no triunfo futuro.

Pois comparado ao triunfo do Guerreiro, o mais macio leito é pedra, a água mais pura é areia e a carne mais tenra é vento seco.

Na noite do triunfo, o Guerreiro olhará seus pés e verá sob eles os prazeres da Terra.
Erguerá seus olhos para os olhos dos Seus, nos quais o triunfo se refletirá em sua plenitude.
E os erguendo mais, contemplará nas estrelas do Céu os que tombaram com glória.

Como manda o Código.

CREDO

por Acauan Guajajara

Publicado originalmente em 27 Nov 2008, 21:27

Creio no Código do Guerreiro
na supremacia do BEM
na grandeza humana
e no meu amor pelos meus filhos

Creio nas antigas virtudes
de antes do Código
no valor da Honra
na importância do Dever
e na necessidade do Sacrifício

Creio em abaetê meu Pai
Cacique dos Tupis
e nos abaetê-pai de antes dele

Creio no brilho de nossos sábios
na poesia de nossos bardos
e no heroísmo de nossos bravos

Creio em Monã
que colocou as estrelas no céu
em Mayra
que ensinou a cultivar o milho
em Sumé
que ensinou a viver juntos
e em Tupã

que ensinou a temer

Creio nos espíritos da mata
E em Yvy marã ei

Creio na santidade da Vida
na pureza da Verdade
e na nobreza da Liberdade

Creio na compaixão
e na esperança

Creio na minha Força

Creio em lutar com Bravura
morrer com Honra
e tombar com glória

Creio no Código do Guerreiro
na supremacia do BEM
na grandeza humana
e no meu amor pelos meus filhos

quarta-feira, 6 de maio de 2009

O Que Digo aos Meus Filhos

Por Acauan Guajajara

Publicado originalmente em 8/3/2005 23:06:21

Que tudo na vida tem seu tempo, como é passado o tempo de meus pais, assim um dia passará o meu, mas se eles assim quiserem o tempo deles será sucedido pelo tempo de seus filhos e a vida continuará...

Que existe uma coisa chamada “o Bem” que aprendi do exemplo de meu pais e que procuro passar pelo exemplo a eles, para que pelo exemplo passem aos filhos deles e assim o Bem se perpetue...

Que eles são meus filhos, que eu os elegi minha missão de vida, e com uma missão a vida faz sentido...

Que não os crio para um dia serem bons filhos, eu os crio para um dia serem bons pais...

Que aprendam a ser fortes, pois precisarão sê-lo, mas que jamais usem esta força para oprimir os mais fracos...

Que eu caminhei sobre a terra, vi e aprendi muitas coisas, muito poucas ante o tanto que há para se ver e aprender, mas que trabalhei para que eles tivessem mais oportunidades de ver e aprender do que as que eu tive, assim como meus pais trabalharam para que eu tivesse mais oportunidades do que tiveram eles, para que assim, cada nova geração caminhe sobre a terra com mais visão e com mais sabedoria...

Que nossos antepassados foram caçadores e guerreiros, que temiam a noite e os perigos da floresta, mas que também olhavam as estrelas e sonhavam um dia poder tocá-las...

Que antes de nós, caminharam pela terra grandes homens, que com brilho nas mentes e fogo nas almas criaram arte, filosofia e nossa grandiosa ciência, e que tal legado é a nossa herança...

Que pertencemos à espécie dos seres que pisaram o solo da lua e lá deixaram as palavras “viemos em paz, por toda a Humanidade”...

Que todos os homens, sem exceção, fazem parte da grande aventura humana...

Que quando for findo o meu tempo e o deles estiver no auge, que, se puderem, lembrem de mim com carinho, e eu estarei em paz.

Igualdade, Liberdade e Fraternidade à Paulista



Por Acauan Guajajara

Publicado originalmente em 27/12/2007 às 23:16

No sábado anterior ao Natal, levei meus filhos pela primeira vez ao Monumento da Independência, no Ipiranga, em São Paulo.
O cenário é dominado pela beleza, surpreendentemente preservada, dos jardins que imitam os do Palácio de Versailles, no parque anexo em cujos extremos se situam o riacho do Ipiranga, com o Monumento contíguo de um lado e, do outro, o imponente prédio neo-renascentista do Museu Paulista da Universidade de São Paulo, mais conhecido como Museu do Ipiranga.
Confesso que senti certa decepção quando meu filho não demonstrou o mesmo entusiasmo que eu ao contemplar a grande bandeira do Brasil tremulando altiva sobre a chama perene que, desde 7 de setembro de 1952, representa o amor incondicional à Pátria.

Minha filha, quatro anos mais jovem que o menino, tomou a deixa, perguntando o significado das estátuas de bronze no topo da construção.

Expliquei que a imagem mais alta, conduzida em uma carruagem, representava a Liberdade, cercada e protegida por personagens que representam o povo, a quem guia adiante. Dentre estes personagens, um Índio e um homem tombado sobre louros, que nos lembra que guardar a Liberdade exige disposição para o sacrifício.
A conversa me sugeriu um hiato que construo aqui.

Aquele momento culminava uma peregrinação por pontos de São Paulo que, intencionalmente ou não, representam alguns de nossos ideais mais caros.

Sob a sombra do Obelisco do Ibirapuera, expliquei ao meu filho que aquela construção, erigida em homenagem aos soldados constitucionalistas de 1932, reverenciava os paulistas que pegaram em armas pela causa da Lei.
Como isto não foi o suficiente para lhe despertar maior interesse, me vali de acontecimento recente daquele dia, quando almoçamos no restaurante do parque e um homem pobre, talvez orgulhoso demais para pedir, se servia dos restos deixados nas mesas e, em instante irônico, reclamava das batatas fritas deixadas à sua disposição – frias, segundo ele.

Aproveitando que a passagem cômica despertou a atenção do garoto, complementei, antes que se dispersasse novamente, que esta era a razão de ser da Lei. Garantir que todos os Homens tivessem os mesmos direitos. Mesmos aqueles que, pelas circunstâncias e escolhas da vida, tinham que se servir de restos, são reconhecidos, perante a Lei, como iguais a quaisquer outros Homens. Por isto, por esta Igualdade, valeu e vale a pena lutar. E Lembrar.

A outra passagem deste hiato se deu no Páteo do Colégio, marco da fundação da cidade de São Paulo, que prezo, mas me desperta certa cautela, por ser até hoje território Jesuíta, onde é melhor não catequizados como eu ficar atentos.

Após visitarmos o Museu e a Capela Anchieta, retornamos à praça dominada pelo Monumento Glória Imortal aos Fundadores de São Paulo, onde uma muito longa fila, de pessoas de diferentes roupagens e aparências, se movia lenta, ordeira e pacientemente para receber uma boa e completa refeição gratuita servida por voluntários.
Disse aos meus filhos que quando nossos ancestrais conheceram os primeiros colonizadores portugueses, este planalto isolado do mar por uma cordilheira íngreme era tido como terra inviável, mas com trabalho e perseverança, Homens de todas as partes do Brasil e de fora dele construíram aqui uma das maiores cidades do mundo.

A cena daqueles tantos que dependiam da caridade alheia para comer e que depois do almoço se aninhavam para dormir pelas calçadas deixava claro que ainda tínhamos muito que fazer, um futuro a construir.
Olho meus filhos.
Olho a estátua que no topo do monumento segura uma tocha.

Olho em volta, o Páteo, o Colégio reconstruído mais de uma vez, a capela e a pequena multidão deitada sob as marquises das lojas e sobre restos de comida.

Não é uma bela cena, mas a Grande Cidade garantiu que naquela tarde, nos arredores do local onde foi fundada, nem o mais pobre de seus filhos passaria fome.

As Mortes do Guerreiro

Por Acauan Guajajara

Publicado originalmente em 4/2/2005 23:45:38

Como manda o Código, há três mortes possíveis para o Guerreiro: o tombar com glória, o morrer com honra e a outra.

O tombar com glória é destinado ao Guerreiro que no auge da contenda, com braço forte e bravura no coração, foi sobrepujado no campo da honra por um oponente mais valoroso.
Para este Guerreiro, seus últimos pensamentos são por aqueles e aquilo que defende e sua última esperança é de poder empunhar a arma por mais um golpe.
Caberá aos seus companheiros imaginar seu destino, que para eles é certo, encontrar os portões do Valhalla abertos e ser recebido lá pelos irmãos de armas que tombaram antes dele.À sua espera um garanhão bravio.
Ao entrar, o mais bravo entre os que tombaram porá a mão direita em seu ombro direito e lhe entregará as rédeas do garanhão.
E juntos cavalgarão todos pela campina aberta, ao pôr do sol, com o vento no rosto.

O morrer com honra é destinado ao Guerreiro que venceu todas as batalhas, conheceu o triunfo e chegou ao tempo em que o coração ainda é bravo, mas o braço não mais é forte.
Para este Guerreiro, seus últimos pensamentos são por aqueles a quem ensinou o que manda o Código e sua última esperança é que aqueles a quem ensinou perpetuem o BEM.
Se a sua hora lhe conceder tempo para tal, terá o direito de imaginar que em sua chegada ao Valhalla encontrará os portões abertos e será recebido por aqueles que lhe ensinaram o que manda o Código e por aqueles a quem ensinou o que manda o Código e que tombaram com glória antes que ele morresse com honra.
Entre todos, lhe porá a mão direita no ombro direito quem primeiro lhe falou das antigas virtudes, do valor da Honra, da importância do Dever e da necessidade do Sacrifício. E de novo estarão juntos os que ensinaram e os que aprenderam.

A outra morte é a que não tem nome, pois nenhum Guerreiro ousaria chama-la.
Ela é destinada ao Guerreiro cujo braço é forte, mas a bravura abandonou seu coração. Embora pudesse erguer suas armas, optou por quedá-las aos pés do oponente, abandonando aqueles e aquilo que deveria defender.

Para este, seus últimos pensamentos serão pelos que tombaram com glória ao seu lado no campo da honra. Lembrar-se-á deles e desejará não ter trocado aquele momento por toda a vida que se lhe seguiu.

Terá todo o tempo do mundo para imaginar sua chegada ao Valhalla, quando encontrará os portões fechados e por suas frestas poderá ver apenas as costas dos que foram seus irmãos de armas.Da mesma forma que deu às costas às antigas virtudes do Código.

E sem o Código, não há esperança.