quarta-feira, 6 de maio de 2009

Igualdade, Liberdade e Fraternidade à Paulista



Por Acauan Guajajara

Publicado originalmente em 27/12/2007 às 23:16

No sábado anterior ao Natal, levei meus filhos pela primeira vez ao Monumento da Independência, no Ipiranga, em São Paulo.
O cenário é dominado pela beleza, surpreendentemente preservada, dos jardins que imitam os do Palácio de Versailles, no parque anexo em cujos extremos se situam o riacho do Ipiranga, com o Monumento contíguo de um lado e, do outro, o imponente prédio neo-renascentista do Museu Paulista da Universidade de São Paulo, mais conhecido como Museu do Ipiranga.
Confesso que senti certa decepção quando meu filho não demonstrou o mesmo entusiasmo que eu ao contemplar a grande bandeira do Brasil tremulando altiva sobre a chama perene que, desde 7 de setembro de 1952, representa o amor incondicional à Pátria.

Minha filha, quatro anos mais jovem que o menino, tomou a deixa, perguntando o significado das estátuas de bronze no topo da construção.

Expliquei que a imagem mais alta, conduzida em uma carruagem, representava a Liberdade, cercada e protegida por personagens que representam o povo, a quem guia adiante. Dentre estes personagens, um Índio e um homem tombado sobre louros, que nos lembra que guardar a Liberdade exige disposição para o sacrifício.
A conversa me sugeriu um hiato que construo aqui.

Aquele momento culminava uma peregrinação por pontos de São Paulo que, intencionalmente ou não, representam alguns de nossos ideais mais caros.

Sob a sombra do Obelisco do Ibirapuera, expliquei ao meu filho que aquela construção, erigida em homenagem aos soldados constitucionalistas de 1932, reverenciava os paulistas que pegaram em armas pela causa da Lei.
Como isto não foi o suficiente para lhe despertar maior interesse, me vali de acontecimento recente daquele dia, quando almoçamos no restaurante do parque e um homem pobre, talvez orgulhoso demais para pedir, se servia dos restos deixados nas mesas e, em instante irônico, reclamava das batatas fritas deixadas à sua disposição – frias, segundo ele.

Aproveitando que a passagem cômica despertou a atenção do garoto, complementei, antes que se dispersasse novamente, que esta era a razão de ser da Lei. Garantir que todos os Homens tivessem os mesmos direitos. Mesmos aqueles que, pelas circunstâncias e escolhas da vida, tinham que se servir de restos, são reconhecidos, perante a Lei, como iguais a quaisquer outros Homens. Por isto, por esta Igualdade, valeu e vale a pena lutar. E Lembrar.

A outra passagem deste hiato se deu no Páteo do Colégio, marco da fundação da cidade de São Paulo, que prezo, mas me desperta certa cautela, por ser até hoje território Jesuíta, onde é melhor não catequizados como eu ficar atentos.

Após visitarmos o Museu e a Capela Anchieta, retornamos à praça dominada pelo Monumento Glória Imortal aos Fundadores de São Paulo, onde uma muito longa fila, de pessoas de diferentes roupagens e aparências, se movia lenta, ordeira e pacientemente para receber uma boa e completa refeição gratuita servida por voluntários.
Disse aos meus filhos que quando nossos ancestrais conheceram os primeiros colonizadores portugueses, este planalto isolado do mar por uma cordilheira íngreme era tido como terra inviável, mas com trabalho e perseverança, Homens de todas as partes do Brasil e de fora dele construíram aqui uma das maiores cidades do mundo.

A cena daqueles tantos que dependiam da caridade alheia para comer e que depois do almoço se aninhavam para dormir pelas calçadas deixava claro que ainda tínhamos muito que fazer, um futuro a construir.
Olho meus filhos.
Olho a estátua que no topo do monumento segura uma tocha.

Olho em volta, o Páteo, o Colégio reconstruído mais de uma vez, a capela e a pequena multidão deitada sob as marquises das lojas e sobre restos de comida.

Não é uma bela cena, mas a Grande Cidade garantiu que naquela tarde, nos arredores do local onde foi fundada, nem o mais pobre de seus filhos passaria fome.

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