quarta-feira, 5 de agosto de 2009

A Verdade e a Água

Por Acauan Guajajara

Publicada originalmente em 25/01/2006 às 22:47

A Verdade é como a água que brota da pedra em meio à montanha.
Cristalina e pura.
Sob ela há a rocha firme, que lhe dá fundamento sólido.
Em seu entorno a mata, com toda a vida que irriga.
Acima dela, apenas o céu.
Ela transmite frescor ao toque.
Levada à boca não é insípida, tem o sabor do caminho que iniciou na nuvem, cruzou os ares e penetrou a terra antes de repousar no leito pétreo.
Tomada, sacia e refresca.
Traz satisfação e prazer.
Sustenta a vida, que sem ela seca e se esvai.
Por estas qualidades a reconhecemos, mesmo que ninguém nos lhas aponte.
E sem estas a refutamos, mesmo que muitos a recomendem.

Aqueles que não Morrem

Por Acauan Guajajara

Publicada originalmente em 05/02/2006 às 22:55

Os homens sempre temeram aqueles que não morrem.
Como nunca entenderam o significado mais profundo e verdadeiro deste medo (ou preferiram não entender), separaram aqueles que não morrem entre os que caminham sob a luz do dia e os que caminham na escuridão noturna.
Então associaram seu medo àqueles que não morrem aos que se erguem com a noite, e apontaram neles o mal, que justificaria seu medo e os protegeria do significado real do que sentiam.

Mas se é verdade que entre aqueles que não morrem há os que preferem a noite, isto é, como dito, apenas uma preferência, pois aqueles que não morrem caminham sob o sol tanto quanto sob as estrelas.

Aí reside o significado do medo que os homens sentem de aqueles que não morrem.
Pois os homens caminham em meio à luz e entre as trevas.
Se aqueles que não morrem fazem o mesmo, aqueles que não morrem caminham como os homens.
Aqueles que não morrem caminham entre os homens.

A idéia de que aqueles que não morrem caminham entre eles é o maior temor dos homens e para fugir deste temor os homens o tornaram inimaginável e o substituíram imaginando outros temores, apresentados como maiores, mas que nada mais eram que a troca de um medo único e insuportável por muitos que podiam suportar.

Aqueles que não morrem conhecem e entendem o medo dos homens.
Sabem que por mais que os homens temam o que lhes é diferente, encontrarão refúgio e proteção criando distância do que difere.

Aos olhos dos homens, nada pode lhes ser mais diferente do que aqueles que não morrem.
Por isto tentam manter deles a maior distância possível.

Mas não há distância alguma entre os homens e aqueles que não morrem.
Eles continuarão aqui depois que o sol nascer.
Caminhando.

Roma, a religião da república sagrada

Comentários sobre a série da HBO

Por Acauan Guajajaa

Publicada originalmente em 17/01/2006 às 16:22

A série televisa Roma (EUA, 2005, co-produzida pela HBO e BBC) é um primor de reconstituição histórica, que mostra a vida na capital do Império no tumultuado período desde a conquista da Gália por Caio Julio César em 52 A.C. até seu assassinato em 44 A.C., levado a cabo por uma conspiração de senadores. Neste período, da narrativa principal, que conta como César subjugou o senado e conquistou o poder absoluto, derivam outras secundárias que retratam o cotidiano da aristocracia e da gente comum da Roma de então.

A perspectiva dos comuns é abordada do ponto de vista de dois fictícios personagens, o legionário Tito Pullo (Interpretado por Ray Stevenson) e o centurião Lúcio Voreno (Interpretado por Kevin McKidd), este um guerreiro totalmente dedicado à sua corporação, a décima terceira Legião, com a qual César bateu Vercingétorix (é, aquele do Asterix) e tomou o rumo do Rubicão.

Voreno, na série, é descrito por Marco Antonio como um muro de pedra catoniano, uma referência aos romanos que seguiam o modelo de conduta e vida de Catão, o censor que encarnava o espírito de austeridade, severidade e honra da antiga República.

A religião de Voreno e de Roma era essencialmente uma religião cívica, na qual não havia diferença entre pecado e não cumprimento dos deveres de cidadão, entre confrontar as instituições e sacrilégio ou entre ofender a República e ofender os deuses.

A República Romana, para os cidadãos que guardavam seus antigos valores, era mais do que uma entidade política, era um intermediário entre os deuses e os homens. Uma entidade erigida por estes, mas imortal como aqueles. Este amálgama entre o civil e o sacro na consciência religiosa romana é abordado no conflito íntimo que se instala em Lúcio Voreno quando César convoca suas tropas para marchar a Roma, contra as ordens do senado. Para o centurião o ato de César é um sacrilégio, cujo destino final teme ser a destruição da República e a instalação da tirania. Mas os mesmos valores e princípios que o fazem se opor às decisões de seu comandante o obrigam a obedecê-las.

O paganismo de Estado dos romanos se mostra em Voreno nas suas diversas facetas. Em uma cena cheia de compenetração sensível o catoniano oferece seu sangue a Vênus, pedindo à deusa que sua esposa o ame tanto quanto ele a ama, uma vez que sua dureza de soldado o impede de expressar seus sentimentos diretamente a ela. Em outra, quando indagado sobre o número de homens que matou, o centurião fornece com frieza uma contagem precisa dos guerreiros mortos (os civis ele não contava), cujo número era oferecido como tributo a Marte, deus da guerra. Voreno também protagoniza alguns rituais específicos, como o banquete oferecido a Janus, o deus das portas, para que este favoreça uma iniciativa comercial, e o ritual de fertilidade, no qual ele e a esposa simulam um ato sexual em meio às terras de sua propriedade, visando torna-las fecundas.

Um contraponto interessante à religiosidade cívica rígida e sincera dos catonianos é apresentada na série no episódio 4, Stealing from Saturn, na qual César, para legitimar seu poder, precisa de um sinal de bons auspícios que deixasse claro que os deuses apoiavam sua tomada do poder absoluto. Ele consegue isto subornando os sacerdotes do Collegium Pontificum, que por uma vultosa quantia aceitam providenciar a aprovação divina durante a sagração de César como ditador romano.

É também através de Lucio Voreno que podemos observar o modo sutil, mas muito minucioso, como a série nos apresenta a desconfortável crueldade reinante na ausência dos valores cristãos que só conquistariam o Ocidente alguns séculos depois.

Em uma cena particularmente chocante, o centurião vai tratar a venda dos escravos que recebera como espólio na campanha da Gália, deixados sob a guarda de um mercador que deveria engordá-los visando melhorar seu preço. Quando pergunta pelo estado de suas mercadorias, é conduzido pelo mercador à jaula minúscula onde estão os corpos putrefatos dos prisioneiros, que morreram de disenteria. O único sobrevivente é um pequeno menino, mantido preso junto ao cadáver da mãe e dos demais para que o proprietário pudesse comprovar por si mesmo que seu patrimônio não fora roubado.

O centurião trava um desesperado diálogo com o mercador, no qual lamenta a dimensão de seu prejuízo. Para o espectador estupefato fica a terrível dúvida de o porquê ninguém ligar a mínima para as pessoas mortas, principalmente, para a criança aprisionada junto aos restos apodrecidos de sua mãe e parentes.

Por que Lúcio Voreno, um homem íntegro e abnegado, se mostrava tão impiedoso?

A resposta simples é que a piedade cristã só seria divulgada quase um século depois do tempo daqueles eventos narrados. Para os romanos, os vencidos escravizados eram apenas isto, vencidos escravizados. Suas vidas e mortes tinham o valor exato de seu preço de mercado ou de sua serventia para o trabalho. Na ausência dos preceitos cristãos que viriam a criar o conceito de pessoa humana com valor em si mesma, os romanos avaliavam o quanto valia uma vida pela sua posição na hierarquia de sua sociedade. Não havia como ou porque naquele sistema reconhecer qualquer tipo de igualdade entre um cidadão romano livre e quem não o era.

Apesar de toda identificação da República Romana e seus valores como a manifestação mais visível dos desígnios dos deuses, Roma não era uma teocracia, no sentido que atualmente se dá ao termo. Na teocracia a religião incorpora o Estado enquanto em Roma o Estado incorporava a religião. Esta simbiose construiu e consolidou o civismo dos romanos, base de sua têmpera guerreira que demarcou o Ocidente na ponta do gládio e na batida das cáligas.Quando o poder e a riqueza corromperam esta simbiose, a República Sagrada desabou.
O triunfo do Império continha em si o gérmen de sua própria decadência.

Porquê eu amo a ciência

Por Acauan Guajajara

Publicado originalmente em 22/3/2003 00:26:13

Quando eu era criança, na escola em que estudava, e em todas as escolas, havia pelo menos um aluno que circulava pelos corredores a duras penas, movimentando com muito esforço suas pernas imobilizadas por um pesado aparelho metálico, enquanto auxiliava o movimento com um par de muletas de mão. Eram portadores de paralisia infantil.

Estas lembranças ocupam muito pouco de minha memória. Conforme eu crescia, sem que eu percebesse, aquela cena triste das crianças condenadas a terem uma vida limitada pelo resto de seus dias ia simplesmente sumindo.

Na época eu não tinha idade para perceber o que acontecia. Hoje relembro daqueles anos como Tempos de Glória. A paralisia infantil é uma lembrança vaga em minha mente porque eu convivi com as últimas crianças que tiveram a infelicidade de contraí-la. Poucos anos depois a Humanidade conquistaria mais uma vitória: A poliomielite havia sido erradicada.

Isto mesmo. Erradicada! Nunca mais, em lugar algum, criança nenhuma arrastaria armações metálicas pelos corredores de escolas. Vencemos!

Por trás desta vitória um nome, ALBERT SABIN, um grande Homem, que estudando a bioquímica dos vírus descobriu como barrar o avanço daquele terrível inimigo.

Sabin é um nome que reverencio toda vez que levo meus filhos para serem vacinados, mas divido esta reverência com uma entidade não humana: Nossa grandiosa CIÊNCIA.

Se hoje poliomielite e varíola são palavras mais ligadas à história do que ao cotidiano dos hospitais, isto se deve ao trabalho de homens que acreditaram numa sequência de trabalho simples, mas magnífica: observar – teorizar – experimentar – concluir.

Foram estas quatro palavras que nos levaram ao dia 20 de julho de 1969, quando pela primeira vez, homens do planeta Terra pisaram o solo da Lua. Deixaram no satélite uma placa, onde para todo o sempre se poderá ler a mensagem “VIEMOS EM PAZ, POR TODA A HUMANIDADE”.

Em paz e por toda a Humanidade. É por isto que eu amo a Ciência.

Voltaire

Por Acauan Guajajara

Publicado originalmente em 21/3/2003 21:32:29

Se Deus existir e me concedesse como pedido a possibilidade de tomar uns chopes com quem eu quisesse, vivo ou morto, de qualquer época, eu não pensaria duas vezes.

- Quero tomar uns chopes com o Voltaire.

Voltaire era o máximo, bater um papo com ele deve ser o equivalente hoje a dividir uma mesa com o Millôr Fernandes – com a vantagem de que o velho Jean Marie não era brizolista.

Fico imaginando como seria o papo em torna da mesa:

Acauan - E aí Jean-Marie, como vão as coisas?

Voltaire – É... Tô meio preocupado, sabe como é, o Papa não gostou nem um pouco da brincadeirinha que eu fiz com ele no Cândido...

Acauan – Ô Jean, você preocupado com o Papa?

Voltaire – Qual é ô meu? Eu sou filósofo mas não sou bobo, você deve saber muito bem do que eu vivo..., se o Papa cisma de me botar na lista negra acabou minha penetração junto à “sociedade”... E aí eu vou viver do que? Tenho contas para pagar.

Acauan – E como tá indo o Rousseau?

Voltaire – Ele não fala comigo desde que leu “O Ingênuo”, aquela história do Hurão, sabe como é esta turma da esquerda, totalmente liberais até que alguém dê uma alfinetada neles, aí é “magoei”...

Acauan – Mas Voltaire, me diz aqui uma coisa...

Voltaire – Pera aí, antes de continuar esta conversa, quem é você?

Acauan – Sou Acauan dos Tupis

Voltaire – E que lugar é este?

Acauan – Aqui é São Caetano do Sul, a terra do Azulão.

Voltaire – Paris é melhor.

Acauan – Também acho, mas muita gente aqui discordaria.

Voltaire – Que bebida é esta?


Acauan – Chamamos de chope, “bière” em francês, eu acho...

Voltaire – Gostei.

Acauan – Deve ter gostado mesmo, já tomou uma dúzia...

Voltaire – E esta garçonete, como é mesmo o nome dela?

Acauan – Jean-Marie, ela é casada. Dá um tempo meu!

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Pensamento ocasional

Somente em Deus encontramos um ponto de vista do qual todas as vidas são coerentes, pois do ponto de vista de cada vida humana, todas as demais vidas são absurdas de algum modo.