terça-feira, 26 de maio de 2009

AS MADONAS DO MASP - VÊNUS CRISTÃS

Por Acauan Guajajara

Publicado originalmente em 12/7/2003 00:39:16

Levei meus filhos ao MASP – Museu de Arte de São Paulo, no feriado paulista do nove de julho.
O MASP é o máximo. Uma ilha de excelência da arte e cultura, suspensa sobre o grande vão livre da avenida Paulista.
Gosto muito da coleção de pintores impressionistas, uma das melhores do mundo, mas ficando no tema do título, o Museu nos permite fazer uma viagem pela história do sentimento religioso, contada pelos quadros que o exprimem.
Eu adoro as madonas (não estou falando de covers da exótica cantora), representações da virgem com o menino Jesus. O MASP exibe uma grande coleção delas, com quadros dos séculos XIII ao XVI, nos quais encontramos experiências artísticas notáveis, em que as clássicas Vênus gregas reencarnam nas representações de Maria, expressando uma das mais marcantes características do Renascimento, a recuperação da tradição humanista da arte greco-romana.

As fotos e fichas de identificação dos quadros foram extraídos da página do MASP - http://www.masp.art.br/ .



Artista: Sandro Botticelli (e ateliê)
Período: (Florença, Itália, 1445 - 1510)
Título: Virgem com o Menino e São João Batista criança, 1490/1500
Descrição: têmpera sobre madeira; diâmetro 74 cm, 1490-1500

Esta é a madona que eu mais gosto. O quadro é luminoso em vários sentidos.
Todo mundo conhece o autor, Boticelli, principalmente por sua outra obra “O Nascimento da Vênus”, no qual a deusa surge das espumas do mar.
De Maria vemos apenas o rosto e as mãos, o suficiente para perceber uma mulher muito jovem e que certamente representava o ideal de beleza feminino da época.
O abraço que ela aplica na criança é 100% maternal, uma mãe e um filho demonstrando afeto um ao outro, nada que expresse superioridade da criança em relação a mãe ou adoração a um Deus menino. Mais do que retratar divindade e santidade de dois personagens religiosos, o pintor retrata a divindade e a santidade do amor materno, fazendo uma leitura humanista de um tema sacro.
Ao lado de Maria um livro de formato moderno, inexistente no século I e portanto incluído na cena com alguma intenção. Como na época em que o quadro foi pintado a maioria das mulheres eram analfabetas, a idéia de retratar Maria como uma mulher letrada traz a idéia de que, talvez, Boticelli quisesse dar à sua virgem um conteúdo maior do que aquele expresso apenas por um rostinho bonito.



Artista: Maestro del Bigallo
Período: (Ativo em Florença, Itália, terceiro quartel do século XIII)
Título: Virgem em Majestade com o Menino e dois Anjos, c.1275
Descrição: têmpera sobre madeira; 130 x 56 cm

É quase impossível ver a “Virgem em Majestade” sem lembrar das grandes estátuas de Zeus sentado em seu trono ou de Palas Atenas em posição semelhante.
O quadro chama atenção primeiro pelo seu formato não geométrico (a cabeça da virgem acrescenta um círculo ao retângulo tradicional das telas).
Depois vem o desafio de classificar o estilo entre múltiplas impressões simultâneas: a já citada majestade dos deuses gregos, a santidade pictórica dos ícones bizantinos e os traçados geométricos das dobras do manto que quase poderiam ser classificados como modernistas.
Note-se que o “menino Jesus” não é um menino coisa nenhuma, é um homem em miniatura pois tem as proporções de um adulto só que em escala menor, um dos artifícios que os artistas da época se valiam para realçar a natureza divina do personagem representado.
E finalmente, os dois olham diretamente para você como se Maria dissesse “Ele é Deus e eu sou a mãe dele!”. Diante de uma afirmação destas, você vai responder o quê?



Artista: Maestro di San Martino alla Palma
Período: (Ativo em Florença, primeiro terço do século XIV)
Título: Virgem com o Menino Jesus
Descrição: têmpera sobre madeira, 66 x 39 cm, 1310 / 1320

O que torna este quadro especial é o olhar dos personagens. Mãe e filho se olham como se trocassem uma confidência, algo do tipo “eu sei quem você verdadeiramente é” ou então “não interessa o que anjo disse, você é meu filho”.
Para realçar a idéia, um Jesus de cachos dourados usa uma túnica dourada sobre um fundo dourado. A Virgem veste preto*, mas a parte interna do tecido é dourada também.
No meio deste ouro todo se destaca a criança segurando carinhosamente o dedo da mãe, como faz qualquer bebê (quem é pai sabe). Outra vez, o menino Jesus é um homem em miniatura – proporções de um adulto em escala reduzida. Mas o olhar e o toque de mão...

* Nota do Acauan: Sobre a cor do manto da Virgem, uma amiga me esclareceu e ensinou:

Só uma observação quanto ao comentário de que a Virgem “veste preto”, provavelmente era azul, mas como a têmpera (feita com gema de ovo e pigmentos) é uma tinta mais sensível à ação do tempo talvez tenha escurecido.
Os pintores renascentistas sempre retratavam a Virgem vestindo manto vermelho e véu azul. Simbolicamente representam o poder temporal (púrpura, cor de reis) e o poder espiritual (celeste, cor divina), ou seja, uma alusão ao poder da Igreja Católica. ... :)

Obrigado, amiga!





Artista: Giovanni Bellini
Período: (Veneza, Itália, 1425/33 - 1516)

Título: A Virgem com o Menino de pé, abraçando a Mãe (Madonna Willys), 1480 / 1490
Descrição: óleo sobre madeira; 75 x 59 cm, 1480-1490

No quadro anterior, “Virgem com o Menino Jesus”, mãe e filho se olham como se trocassem uma confidência.
Nesta obra, a virgem olha para o menino Jesus com uma cara que diz “este pirralho vai fazer xixi na minha túnica azul novinha”.
Este quadro se diferencia dos anteriores por apresentar um menino Jesus sem os trajes cerimoniais em que ele aparece nas telas anteriores (aliás, sem traje nenhum) e principalmente por mostrar o bebê com as proporções de um bebê – a cabeça grande em relação ao corpo, pernas curtas e gordinhas (quem é pai sabe).
Alem do olhar de desconfiança da mãe, o menino tem expressão e gesto de quem pergunta “o que aconteceria se eu apertasse o pescoço dela?”, desculpe Bellini, mas com certeza, em alguma sacanagem você estava pensando quando pintou este quadro.

Desculpe mesmo, porque o quadro realmente merece estar nas paredes do MASP.


Artista: Paolo Serafin da Modena (atribuído a)
Período: (Módena, 1349/1350 - ?)
Título: Adoração dos Reis Magos
Descrição: têmpera sobre madeira, 25 x 32 cm, terceiro quarto do sécuo XIV

Um doce virtual para quem disser o que tem de estranho no menino Jesus deste quadro.
Tempo esgotado. Os Reis Magos visitaram um Jesus recém nascido, enquanto a tela mostra o “bebê” com o tamanho de uma criança de dois anos, sentado no colo da mãe e abençoando o visitante que lhe beija o pé.
Bebês da idade que Jesus teria quando do encontro com os reis magos não conseguem sentar e muito menos abençoar (quem é pai sabe).
De novo o recurso de representar o menino Jesus com características não esperadas em uma criança comum para realçar seu aspecto divino.

É por estas e outras que eu adoro as madonas.
É por estas e outras que eu adoro o MASP.
Visite o MASP. É muito legal.

As fotos e fichas de identificação dos quadros foram extraídos da página do MASP - http://www.masp.art.br/ .

ESTÓICOS

Por Acauan Guajajara

Publicado originalmente em 06/07/2007 às 22:55

Como manda o Código, o Guerreiro se fartará no suficiente.

Quando tiver por lençol a relva e por cobertor o firmamento, não se encontrará sobre as penas do ganso sono mais reparador.

Beberá da rocha que brota e do orvalho servido na folha côncava.
E sentirá frescor menor apenas do que aquele que exala do hálito da mulher amada.

Em sua mesa porá o fruto brilhante, o animal que corria ou a raiz que se entranha.
E se banqueteará.

Quando o vento gélido navalhar sua pele ou o sol inclemente secar suas lágrimas, o Guerreiro se aquecerá ou refrescará no triunfo futuro.

Pois comparado ao triunfo do Guerreiro, o mais macio leito é pedra, a água mais pura é areia e a carne mais tenra é vento seco.

Na noite do triunfo, o Guerreiro olhará seus pés e verá sob eles os prazeres da Terra.
Erguerá seus olhos para os olhos dos Seus, nos quais o triunfo se refletirá em sua plenitude.
E os erguendo mais, contemplará nas estrelas do Céu os que tombaram com glória.

Como manda o Código.

CREDO

por Acauan Guajajara

Publicado originalmente em 27 Nov 2008, 21:27

Creio no Código do Guerreiro
na supremacia do BEM
na grandeza humana
e no meu amor pelos meus filhos

Creio nas antigas virtudes
de antes do Código
no valor da Honra
na importância do Dever
e na necessidade do Sacrifício

Creio em abaetê meu Pai
Cacique dos Tupis
e nos abaetê-pai de antes dele

Creio no brilho de nossos sábios
na poesia de nossos bardos
e no heroísmo de nossos bravos

Creio em Monã
que colocou as estrelas no céu
em Mayra
que ensinou a cultivar o milho
em Sumé
que ensinou a viver juntos
e em Tupã

que ensinou a temer

Creio nos espíritos da mata
E em Yvy marã ei

Creio na santidade da Vida
na pureza da Verdade
e na nobreza da Liberdade

Creio na compaixão
e na esperança

Creio na minha Força

Creio em lutar com Bravura
morrer com Honra
e tombar com glória

Creio no Código do Guerreiro
na supremacia do BEM
na grandeza humana
e no meu amor pelos meus filhos

quarta-feira, 6 de maio de 2009

O Que Digo aos Meus Filhos

Por Acauan Guajajara

Publicado originalmente em 8/3/2005 23:06:21

Que tudo na vida tem seu tempo, como é passado o tempo de meus pais, assim um dia passará o meu, mas se eles assim quiserem o tempo deles será sucedido pelo tempo de seus filhos e a vida continuará...

Que existe uma coisa chamada “o Bem” que aprendi do exemplo de meu pais e que procuro passar pelo exemplo a eles, para que pelo exemplo passem aos filhos deles e assim o Bem se perpetue...

Que eles são meus filhos, que eu os elegi minha missão de vida, e com uma missão a vida faz sentido...

Que não os crio para um dia serem bons filhos, eu os crio para um dia serem bons pais...

Que aprendam a ser fortes, pois precisarão sê-lo, mas que jamais usem esta força para oprimir os mais fracos...

Que eu caminhei sobre a terra, vi e aprendi muitas coisas, muito poucas ante o tanto que há para se ver e aprender, mas que trabalhei para que eles tivessem mais oportunidades de ver e aprender do que as que eu tive, assim como meus pais trabalharam para que eu tivesse mais oportunidades do que tiveram eles, para que assim, cada nova geração caminhe sobre a terra com mais visão e com mais sabedoria...

Que nossos antepassados foram caçadores e guerreiros, que temiam a noite e os perigos da floresta, mas que também olhavam as estrelas e sonhavam um dia poder tocá-las...

Que antes de nós, caminharam pela terra grandes homens, que com brilho nas mentes e fogo nas almas criaram arte, filosofia e nossa grandiosa ciência, e que tal legado é a nossa herança...

Que pertencemos à espécie dos seres que pisaram o solo da lua e lá deixaram as palavras “viemos em paz, por toda a Humanidade”...

Que todos os homens, sem exceção, fazem parte da grande aventura humana...

Que quando for findo o meu tempo e o deles estiver no auge, que, se puderem, lembrem de mim com carinho, e eu estarei em paz.

Igualdade, Liberdade e Fraternidade à Paulista



Por Acauan Guajajara

Publicado originalmente em 27/12/2007 às 23:16

No sábado anterior ao Natal, levei meus filhos pela primeira vez ao Monumento da Independência, no Ipiranga, em São Paulo.
O cenário é dominado pela beleza, surpreendentemente preservada, dos jardins que imitam os do Palácio de Versailles, no parque anexo em cujos extremos se situam o riacho do Ipiranga, com o Monumento contíguo de um lado e, do outro, o imponente prédio neo-renascentista do Museu Paulista da Universidade de São Paulo, mais conhecido como Museu do Ipiranga.
Confesso que senti certa decepção quando meu filho não demonstrou o mesmo entusiasmo que eu ao contemplar a grande bandeira do Brasil tremulando altiva sobre a chama perene que, desde 7 de setembro de 1952, representa o amor incondicional à Pátria.

Minha filha, quatro anos mais jovem que o menino, tomou a deixa, perguntando o significado das estátuas de bronze no topo da construção.

Expliquei que a imagem mais alta, conduzida em uma carruagem, representava a Liberdade, cercada e protegida por personagens que representam o povo, a quem guia adiante. Dentre estes personagens, um Índio e um homem tombado sobre louros, que nos lembra que guardar a Liberdade exige disposição para o sacrifício.
A conversa me sugeriu um hiato que construo aqui.

Aquele momento culminava uma peregrinação por pontos de São Paulo que, intencionalmente ou não, representam alguns de nossos ideais mais caros.

Sob a sombra do Obelisco do Ibirapuera, expliquei ao meu filho que aquela construção, erigida em homenagem aos soldados constitucionalistas de 1932, reverenciava os paulistas que pegaram em armas pela causa da Lei.
Como isto não foi o suficiente para lhe despertar maior interesse, me vali de acontecimento recente daquele dia, quando almoçamos no restaurante do parque e um homem pobre, talvez orgulhoso demais para pedir, se servia dos restos deixados nas mesas e, em instante irônico, reclamava das batatas fritas deixadas à sua disposição – frias, segundo ele.

Aproveitando que a passagem cômica despertou a atenção do garoto, complementei, antes que se dispersasse novamente, que esta era a razão de ser da Lei. Garantir que todos os Homens tivessem os mesmos direitos. Mesmos aqueles que, pelas circunstâncias e escolhas da vida, tinham que se servir de restos, são reconhecidos, perante a Lei, como iguais a quaisquer outros Homens. Por isto, por esta Igualdade, valeu e vale a pena lutar. E Lembrar.

A outra passagem deste hiato se deu no Páteo do Colégio, marco da fundação da cidade de São Paulo, que prezo, mas me desperta certa cautela, por ser até hoje território Jesuíta, onde é melhor não catequizados como eu ficar atentos.

Após visitarmos o Museu e a Capela Anchieta, retornamos à praça dominada pelo Monumento Glória Imortal aos Fundadores de São Paulo, onde uma muito longa fila, de pessoas de diferentes roupagens e aparências, se movia lenta, ordeira e pacientemente para receber uma boa e completa refeição gratuita servida por voluntários.
Disse aos meus filhos que quando nossos ancestrais conheceram os primeiros colonizadores portugueses, este planalto isolado do mar por uma cordilheira íngreme era tido como terra inviável, mas com trabalho e perseverança, Homens de todas as partes do Brasil e de fora dele construíram aqui uma das maiores cidades do mundo.

A cena daqueles tantos que dependiam da caridade alheia para comer e que depois do almoço se aninhavam para dormir pelas calçadas deixava claro que ainda tínhamos muito que fazer, um futuro a construir.
Olho meus filhos.
Olho a estátua que no topo do monumento segura uma tocha.

Olho em volta, o Páteo, o Colégio reconstruído mais de uma vez, a capela e a pequena multidão deitada sob as marquises das lojas e sobre restos de comida.

Não é uma bela cena, mas a Grande Cidade garantiu que naquela tarde, nos arredores do local onde foi fundada, nem o mais pobre de seus filhos passaria fome.

As Mortes do Guerreiro

Por Acauan Guajajara

Publicado originalmente em 4/2/2005 23:45:38

Como manda o Código, há três mortes possíveis para o Guerreiro: o tombar com glória, o morrer com honra e a outra.

O tombar com glória é destinado ao Guerreiro que no auge da contenda, com braço forte e bravura no coração, foi sobrepujado no campo da honra por um oponente mais valoroso.
Para este Guerreiro, seus últimos pensamentos são por aqueles e aquilo que defende e sua última esperança é de poder empunhar a arma por mais um golpe.
Caberá aos seus companheiros imaginar seu destino, que para eles é certo, encontrar os portões do Valhalla abertos e ser recebido lá pelos irmãos de armas que tombaram antes dele.À sua espera um garanhão bravio.
Ao entrar, o mais bravo entre os que tombaram porá a mão direita em seu ombro direito e lhe entregará as rédeas do garanhão.
E juntos cavalgarão todos pela campina aberta, ao pôr do sol, com o vento no rosto.

O morrer com honra é destinado ao Guerreiro que venceu todas as batalhas, conheceu o triunfo e chegou ao tempo em que o coração ainda é bravo, mas o braço não mais é forte.
Para este Guerreiro, seus últimos pensamentos são por aqueles a quem ensinou o que manda o Código e sua última esperança é que aqueles a quem ensinou perpetuem o BEM.
Se a sua hora lhe conceder tempo para tal, terá o direito de imaginar que em sua chegada ao Valhalla encontrará os portões abertos e será recebido por aqueles que lhe ensinaram o que manda o Código e por aqueles a quem ensinou o que manda o Código e que tombaram com glória antes que ele morresse com honra.
Entre todos, lhe porá a mão direita no ombro direito quem primeiro lhe falou das antigas virtudes, do valor da Honra, da importância do Dever e da necessidade do Sacrifício. E de novo estarão juntos os que ensinaram e os que aprenderam.

A outra morte é a que não tem nome, pois nenhum Guerreiro ousaria chama-la.
Ela é destinada ao Guerreiro cujo braço é forte, mas a bravura abandonou seu coração. Embora pudesse erguer suas armas, optou por quedá-las aos pés do oponente, abandonando aqueles e aquilo que deveria defender.

Para este, seus últimos pensamentos serão pelos que tombaram com glória ao seu lado no campo da honra. Lembrar-se-á deles e desejará não ter trocado aquele momento por toda a vida que se lhe seguiu.

Terá todo o tempo do mundo para imaginar sua chegada ao Valhalla, quando encontrará os portões fechados e por suas frestas poderá ver apenas as costas dos que foram seus irmãos de armas.Da mesma forma que deu às costas às antigas virtudes do Código.

E sem o Código, não há esperança.